O
presidente do Haiti chama-se Michel Martelly. Este homem é detentor da dúbia
honra de ser o chefe de Estado em todo o mundo eleito pela menor parte da sua
população. A abstenção no Haiti ronda os 78% - e por isso, ao longo de quatro anos,
este presidente ilegítimo não conseguiu organizar nenhum tipo de eleições no
país, que agora não tem parlamento nem autarcas.
O
Estado Novo organizava eleições, uma maquilhagem para disfarçar a sua
verdadeira cara de ditadura totalitária, mas estas eram sistematicamente
neutralizadas através de todos os truques sujos do cartório: para começar, não
abrangiam a Presidência do Conselho – o verdadeiro poder; o recenseamento
eleitoral só se estendia aos “cidadãos de idoneidade política” propostos pelo
aparelho do partido único, a União Nacional; só podiam votar “os homens maiores
de 21 anos, chefes de família, que soubessem ler e escrever e contribuíssem com
determinado valor para o Estado”, mas que além disso “não demonstrassem ideias
contrárias à disciplina social”. Quase ninguém votava naquele Portugal, a participação
cívica era irrisória, e como tal todo o processo era uma farsa, onde os
“candidatos” “eleitos” não tinham credibilidade nem legitimidade.
É
chocante encontrar reminiscências do descrito acima no processo de eleição do
pomposamente designado “Conselho das Comunidades Portuguesas”, um órgão
consultivo do governo para os assuntos que digam respeito à diáspora – uma
diáspora que, por obra e encorajamento do mesmo governo, não pára de crescer a
um ritmo anual de 100 000 portugueses. O espectáculo pouco dignificante destas
eleições que só não despoleta uma enorme celeuma porque, precisamente, este
Conselho se transformou em algo de decorativo.
O
secretário de Estado esperou até muito para lá do razoável para finalmente
marcar a data das eleições para o CCP. Fê-lo no dia 3 de Julho, e apontou para…
o fim do verão, a 6 de Setembro. Este estranho timing assegurou desde logo que
os potenciais votantes só tivessem quatro dias, até 7 de Julho, para se recensearem
(na realidade, no último dia o sistema informático bloqueou em Lisboa, logo para
muitos nem isso). E também garantiu que a campanha eleitoral, dirigida aos
emigrantes, decorresse durante o mês de Agosto – quando, obviamente, a
esmagadora maioria se encontra incontactável e de férias, muitas vezes em
Portugal…
O regime
salazarista exigia à oposição que fabricasse os seus próprios boletins de voto
e os distribuísse ela própria pelos eleitores recenseados – mas a oposição não
tinha acesso aos cadernos eleitorais, pelo que a tarefa era como procurar uma
agulha num palheiro. Similarmente, uma candidatura independente para o CCP (que
necessita frequentemente de 50 ou mais assinaturas para poder avançar) teve
menos de um mês para encontrar esses apoios numa altura de férias… e sem ter
acesso, em muitos casos, aos cadernos eleitorais que deveriam por lei ter sido
divulgados – mas não foram. Ficaram assim em vantagem as candidaturas apoiadas
pelos grandes partidos, que podem muito mais facilmente recolher os seus
apoios.
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