terça-feira, 8 de março de 2016

Querida, eu derrubei o muro de Berlim


Novembro de 1989. No regime comunista da Alemanha de Leste, nem tudo se passa como antes: o velho ditador Erich Honecker sai finalmente de cena – poucos meses antes tinha afirmado “o Muro estará de pé daqui a 50 ou mesmo 100 anos” – e é substituído pelo mais moderado Egon Krenz. Pressionado pela recente abertura das fronteiras na Hungria, no que tinha sido a primeira brecha na Cortina de Ferro (numa amarga ironia histórica, a Hungria dos nossos dias foi o primeiro país a erguer um muro para bloquear os refugiados de 2015), afundados pela depauperada situação económica da RDA, os novos dirigentes encontram uma única forma de fazer dinheiro rapidamente: rentabilizar a liberdade de circulação dos seus cidadãos. À capitalista Alemanha Ocidental chega então uma proposta milionária, o relaxamento dos controlos de fronteira entre Leste e Oeste, em troca de 5 mil milhões de euros à cabeça mais 2 mil milhões anuais. Mas em Bona, Helmut Kohl recusa a chantagem.

O regime leste-alemão tentou então ganhar tempo para sobreviver, introduzindo algumas reformas. Um dos membros do partido, o ex-jornalista Günter Schabowski, ia surgindo como porta-voz oficioso para, em monótonas conferências de imprensa, dar a impressão que algo ia mudando para que tudo pudesse continuar na mesma em Berlin-Leste, na Cidade de Karl Marx e na restante RDA. Era esse o caso, mais uma vez, naquele fim de tarde no dia 9; após uma hora, a conferência estava prestes a terminar. Até que…

Alguém traz uns papéis com uma decisão fresca dos órgãos do Comité Central do partido que Schabowski, após uma hora de cinzento discurso, passa a ler: em resposta à contestação nas ruas, qualquer pessoa passará a poder pedir um visto para uma visita ao estrangeiro sem ter de alegar razões especiais. “Quando é que essa medida entra em vigor?” pergunta um repórter. Schabowski não sabe a resposta. Procura por uma data nos papéis que recebeu, não a encontra, e – num momento de loucura genial – decide, talvez lembrando-se da regra nas provas orais em que uma resposta errada mas convicta é melhor que nenhuma, improvisar: “tanto quanto sei… imediatamente. Sem demora!”

Depois do burburinho na sala, a notícia espalhou-se como fogo numa floresta de eucaliptos durante o verão. Pouco depois das sete da tarde, a televisão pública ocidental já avançava a notícia. Os alemães de leste começaram a dirigir-se em massa para o Muro, arriscando-se a levar um tiro como tantos outros antes deles. Os guardas não faziam ideia como reagir, nada daquilo estava previsto, tinha surgido de um lapso de um burocrata do aparelho. Finalmente, às 23:30, os portões do Muro foram abertos – o momento metafórico em que o Muro caiu. Os habitantes de Berlim-Leste irromperam pelo Oeste, em lágrimas, a divisão comunismo vs capitalismo dissolveu-se aí, os regimes totalitários na Europa caíram como dominós.

Günter Schabowski apagou-se este domingo, aos 86 anos. Vivia na parte Oeste de Berlim, e depois do desaparecimento da RDA ainda escreveu mais alguns capítulos da sua história pessoal: voltou ao jornalismo, foi condenado a 3 anos de prisão por “autoria moral” dos disparos dos guardas de fronteira (cumpriu um) e fez assessoria de candidatos políticos da CDU alemã (o partido de Merkel, de centro-direita). Também deu origem a uma expressão em alemão – um “momento Schabowski” é aquele em que dizemos algo sem prever as consequências. Mas acima de tudo, com uma frase atabalhoada, este homem derrubou o Muro de Berlim naquela noite.

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