terça-feira, 8 de março de 2016

Histórias do Carochinha


Abril 1934. O chanceler da Alemanha, Adolf Hitler, ordena ao engenheiro Porsche que lhe construa “um carro para o povo” de forma a que o alemão médio utilize as novas auto-estradas construídas pelo regime nazi. Hitler vai mesmo ao ponto de estabelecer as especificações do futuro carro e sugerir ideias para o seu design. O Volkswagen Tipo 1 foi apresentado já perto do início da guerra, pelo que a produção do popularíssimo “carocha”, nome atribuído pela forma do carro fazer lembrar um escaravelho, só se iniciou verdadeiramente em 1945 (e só terminou, no México, em… 2003).

O Carocha foi tão bem-sucedido que criou um monstro, uma gigantesca multinacional que se tornou obcecada em ser a maior companhia automóvel do mundo – feito que conseguiu recentemente, ultrapassando a Toyota. Mas, tal como a companhia japonesa – que deixou cair a sua proverbial qualidade de construção para conseguir vender mais carros – também a Volkswagen só viu uma forma de iludir os consumidores para os levar a escolher os seus produtos: mentir. Ou dito de outra forma, contando-nos histórias da carochinha.

Quem percebe algo de carros sempre soube que os motores a diesel são mais nocivos do que a sua alternativa a gasolina: apesar de em teoria os diesel produzirem um pouco menos de monóxido de carbono (e mesmo isso é discutível), estes motores emitem quantidades insanas de partículas finas, diversos óxidos de nitrogénio que são altamente mortíferos para humanos, animais e plantas. Para além disso provocam smog, um problema horrífico que os americanos conseguiram resolver nas suas cidades há mais de 20 anos (os carros a diesel representam ali 2% do mercado) e que é agora uma especialidade europeia – a tal ponto que Londres, Paris e Bruxelas, por exemplo, começam timidamente a discutir a hipótese de ilegalizar os motores a diesel dentro do perímetro urbano, tão má é a qualidade do ar.

Os “filtros de partículas” que a indústria automóvel nos vendeu como solução para o problema não passam de histórias da carochinha, por vezes com a cumplicidade dos condutores: filtram muito pouco e durante pouco tempo, tendo a prazo de ser substituídos (a um custo elevado); adicionalmente tiram potência ao motor. Ou seja, quando chega a altura de trocar, praticamente ninguém substitui o filtro de origem por um novo, mas para a Volkswagen (e outras marcas) é igual: os testes já estão passados e o dinheiro já está do seu lado. E muito desse dinheiro é usado em lobby contra os limites legais de emissões poluentes, não porque estes não se justifiquem ou sejam impossíveis de cumprir, mas sim porque as verdadeiras soluções para reduzir a poluição provocada pelos motores de carros, a diesel ou a gasolina, são impopulares: caras, complicadas, e penalizadoras da performance.

O escândalo das emissões da Volkswagen tem dimensões gigantescas e por isso mesmo é uma oportunidade dourada: pode – e deve – ser um ponto de viragem. Este deve ser o impulso decisivo para reformar sistemas profundamente errados: a tecnologia diesel deve ser confinada a um nicho (tractores, autocarros) e substituída rapidamente por motores híbridos ou a hidrogénio; os motores a gasolina precisam de melhorias reais na sua eficiência; a indústria alemã, como um todo, vê ameaçada a sua imagem de “confiança” que lhe permite a arrogância de ditar leis; finalmente, a Europa – onde os governos conheciam o problema e nada fizeram – fica exposta mais uma vez como um local onde os poderosos estão acima da lei, mais ainda que nos EUA. E também isso pode começar a mudar. Sigamos com atenção os próximos desenvolvimentos porque esta saga ainda está, apenas, no seu início.

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