terça-feira, 8 de março de 2016

Sangue, suor e lágrimas


George W. Bush tinha razão. Dick Cheney, o sinistro líder na sombra, também tinha razão. Os neocons americanos tinham razão. Uma semana após o 11 de Setembro de 2001, o então presidente americano proferiu perante o Congresso o "seu" (escrito por Michael Gerson) mais memorável discurso de sempre. Foi a primeira vez que o mundo em geral ouviu falar na Al-Qaeda, nele se utilizou pela primeira vez a frase "war on terror", e o texto incluiu passagens quase proféticas:

"Esta guerra não será como as anteriores. A nossa resposta será muito mais do que retaliação instantânea e ataques isolados. Não deveremos esperar uma batalha, mas sim uma longa campanha, diferente de tudo o que vimos até agora, baseada sobretudo em operações secretas até mesmo depois de concluídas." E Bush poderia ter acrescentado (mas seria demasiada sinceridade num discurso que almejava ser épico): e vamos sofrer derrotas amargas, tal como agora em Paris, e tal como no início da II Guerra as democracias sofreram tantas derrotas amargas contra o nazismo (por exemplo quando Hitler conquistou Paris…).

Essa equiparação do nazismo ao islamismo radical já era feita no mesmo discurso de 2001. "Sacrificando a vida humana ao serviço das suas visões radicais, abandonando todo o qualquer valor para além da sede de poder, os terroristas seguem o caminho do fascismo, do nazismo e do totalitarianismo. E seguirão esse caminho até ao fim, onde ele acaba, na vala comum da História reservada aos embustes desmascarados." De facto há imensos paralelismos entre os tempos que vivemos e os anos 1930; o nazismo germinou por entre o fanatismo de uma população humilhada, pobre e que acreditava estar a ser injustiçada. O ovo pôde dar origem à serpente por Hitler não ter sido levado suficientemente a sério, primeiro, e por uma absolutamente errada estratégia de apaziguamento, depois, que assumia que era possível negociar com a loucura e a barbárie. Nunca é.

“A História repete-se sempre, primeiro como tragédia” – a frase até é de Marx, mas grande parte da esquerda recusa-se a admitir que a civilização tem no islamofascismo outro inimigo do mesmo calibre. “Pode ser que não estejas interessado na guerra, mas a guerra está interessada em ti” – a frase até é atribuída (erradamente) a Trotsky, mas também não ajuda alguma esquerda a compreender o que é agora dolorosamente evidente: a guerra já nos escolheu a nós. E estamos a perdê-la. Também por isso é particularmente gravoso ouvir, vindo dos quadrantes do costume, e ao abrigo de uma liberdade de expressão e de crítica que a nossa foi a única civilização de sempre a conceder, as velhas cassettes gastas e ligeiramente lunáticas: “foram os EUA que criaram o ISIS, foi a França que lhes vendeu as armas, fomos nós os ocidentais os autores morais do crime, só ligamos aos parisienses e não aos outros mortos, tudo não passa de uma grande conspiração dos donos do mundo para nos manterem assustados e com uma mão firme no poder, eles até são capazes de mandar matar os próprios cidadãos para isso… e já agora, aqueles tipos do Charlie Hebdo estavam a pedi-las”.

Basta. Respeito pelas vítimas e pela nossa inteligência. Há momentos decisivos em que até as mentes confusas, repletas de dogmas, se devem definir. Entre a Liberdade e a escravidão, escolher a primeira. Entre a Igualdade e o sectarismo, escolher a primeira. Entre a Fraternidade e o ódio, escolher a primeira. Entre a França e o IS, escolher a primeira. Entre o humanismo e a bestialidade, escolher o primeiro. Entre a civilização ocidental e a barbárie medieval, escolher a primeira. Por vezes o mundo é a preto e branco. É muito confortável lançar um “o que todos querem é uma guerra e não lhes vamos dar esse gostinho”, mas isso não passa de uma variação da atitude da avestruz: quer queiramos quer não, HÁ uma guerra em curso que representa o desafio de toda uma geração – da forma mais inteligente possível, é certo, mas temos mesmo de a travar. Ou o futuro apenas nos reservará mais sangue, suor e lágrimas.

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