terça-feira, 8 de março de 2016

É melhor o diabo que já conheces


“Better the devil you know”, diz a sabedoria dos anglo-saxões. Referem-se à preferência por lidar com alguém ou algo que já conhecemos – mesmo não sendo ideal, mesmo que nos dê muitos problemas – em vez nos lançarmos para o risco do novo e desconhecido.
A frase explica muito do que se passou nas eleições legislativas portuguesas. O governo 2011-2015 da coligação PSD/CDS foi diabólico: quatro anos de desinvestimento em todas as áreas de intervenção do Estado, desde a Educação à Ciência, desde a Saúde à Cultura passando pela Justiça; de cortes nos salários, nas pensões e nos complementos sociais; de aumentos de impostos directos e indirectos; de recessão ou de muito fraco crescimento económico; e de uma deterioração dos indicadores fundamentais do país, a começar pela dívida externa, mas também o desemprego e a balança de transacções correntes. Nem o défice público, que continua acima dos 7% devido ao resgate do BES, se salva. Sem oportunidades e em desespero, pelo menos 300 000 portugueses – na sua maioria jovens – abandonaram o país em busca de melhor vida.
Não há registo nas democracias ocidentais de um governo que tenha conseguido ser reeleito após um quadro tão cinzento, mas é aqui que entram pinceladas de outras cores. É inegável que a situação herdada do governo Sócrates era desastrosa, com o país estrangulado pelas condições da ajuda externa; não é menos evidente que a conjuntura europeia, com os elos mais fracos do euro sob ataque especulativo, era tudo menos fácil. No entanto, essas atenuantes seriam em princípio engolidas por um dos dois factores que decidem eleições: a raiva dos cidadãos descontentes.
Essa raiva existiu, e a coligação governativa perdeu mais de 400 mil votos em relação a 2011, além da maioria no parlamento. Mas uma penalização consequente requer uma alternativa que a incorpore, e essa alternativa não existia para os eleitores. Não poderia ser a de um PS errático e dividido; não poderia ser a de partidos irrealistas na extrema-esquerda. O circuito de raciocínio do eleitor flutuante médio era, muitas vezes, uma sucessão de vontades negativas: não votar “neste governo” -> não votar PS, um partido incapaz de transmitir confiança suficiente -> não votar CDU nem BE, formações radicalizadas que defendem a saída do euro -> não votar em pequenos partidos, nem em branco, dado que quase nunca esses votos são tidos em conta pelo sistema. Não sobrava nenhuma opção realmente válida.
Alguns votantes acabavam por parar nalgum ponto deste carrossel, e votar sem convicção em alguma das opções, amiúde por exclusão de partes. Muitos outros preferiram abster-se – e com tantos novos portugueses espalhados pelo mundo e não inscritos num consulado, por vezes nem era possível fazer outra coisa.
Sobra o segundo factor para decidir uma eleição: o medo. A estratégia do medo ganhou em toda a linha – o medo da bancarrota, o medo de ser a Grécia, o medo do regresso da troika, o medo de perder o conquistado nestes quatro anos (por nada que isso tenha sido), o medo de poder ter Sócrates à solta, o medo da corrupção e do clientelismo. A coligação 
governamental fez uma campanha sem falhas, onde nada disse, nada apresentou e nenhuma cara mostrou – mas que agitou perfeitamente o medo do regresso ao passado. Assim, esmagado entre um passado traumático, um presente envergonhado e um futuro sem esperança ou ambição, Portugal deu um sopro de vida à moribunda austeridade na Europa. Talvez sejam demónios, mas são os nossos demónios.

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