terça-feira, 8 de março de 2016

Good COP/bad COP


Qualquer pessoa que veja filmes americanos o sabe: a estratégia para fazer falar um suspeito é metê-lo numa sala com dois polícias, o mau e o bom (“good cop/bad cop”); o mau ameaça o bandido com décadas de cadeia, o bom tenta ganhar a confiança do meliante, diz que está ali para o ajudar se ele colaborar, acalma o parceiro… no caso seguinte, os polícias trocam de papel.

Esta é um pouco a metáfora da Conferência sobre o Clima que começou esta semana em Paris – a COP (Conferência das Partes). O mundo político reúne-se em mais uma tentativa para limitar as alterações climáticas. E os líderes dos maiores países, os que contribuem de forma mais significativa para aumentar as emissões de gases poluentes, expressam-se em coro alinhado. “Sim, as alterações climáticas são um grande desafio que se nos coloca. Sim, apenas uma acção decisiva e concertada de todo o planeta será capaz de responder adequadamente. De Paris terá de sair um acordo firme e ambicioso que consiga controlar as emissões globais. E sim, claro, o país que eu lidero está na linha da frente, a fazer um enorme esforço!”

Mas as belas palavras são contrabalançadas por um discurso mais assustador – e mais inconvenientemente realista. Os presidentes do Quiribati e das Maldivas, por exemplo, apelaram a que se faça algum combate de concreto, mas sublinharam que para eles já é tarde: as suas populações já fizeram as malas e estão preparadas para abandonar as ilhas, em breve submersas. E os países em desenvolvimento, hoje em dia já responsáveis por 65% das emissões globais, continuam a insistir que as “responsabilidades históricas” dos países mais ricos devem fazer cair o grosso dos esforços de redução para o nosso lado, enquanto a China e a Índia abrem a cada ano dezenas de centrais de queima de carvão – essa divisão entre países mais ricos e aqueles em vias de o ser foi afinal o que provocou o falhanço de todas as outras cimeiras até agora, desde a do Rio de Janeiro em 1992 até Lima em 2014. As probabilidades de novo estrondoso fracasso em Paris são enormes.

É irónico. O que está em cima da mesa é simplesmente a manutenção do planeta Terra de forma a que a espécie humana nele possa sobreviver – dir-se-ia que o tema merece alguma da nossa atenção. Alguns factos que resumem a dimensão do problema: 13 dos 14 anos mais quentes de sempre aconteceram neste século, e 2015 será o mais quente de toda a História; isto acontece porque a concentração de CO2 na atmosfera é a maior dos últimos 800 000 anos, e está sempre a aumentar. Além da subida da temperatura, há mais fenómenos climáticos extremos e uma subida rápida do nível dos oceanos devido ao derretimento dos gelos polares – nos últimos 35 anos perdemos ali o equivalente à área de toda a Europa Ocidental. O custo da inacção passada é tremendo, já só podemos limitar os danos. Mesmo adoptando todas as medidas propostas em Paris, no ano 2100 a temperatura do planeta será ainda assim de +2,7 ºC em relação aos níveis pré-industriais; o custo de não fazer nada será, por outro lado, um aumento de 4,5 ºC que tornará a vida neste planeta inviável para a maior parte dos seres vivos, privados de água e comida.

As perspectivas de longo prazo não são nada boas. E foi o líder das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a colocar a cereja no topo do bolo lembrando que as alterações climáticas também alimentam as ameaças de curto prazo: foram as secas extremas de 2006 na Síria a impelir vagas enormes de refugiados climáticos para as grandes cidades, cidades onde não encontraram empregos, perspectivas nem paz – facilitando assim o trabalho dos cantos de sereia do Daesh para o recrutamento de fanáticos capazes de levar a cabo atentados na mesma Paris onde, por dez dias, o mundo se encontra em busca de alguma redenção. É o fechar do macabro círculo.

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