terça-feira, 8 de março de 2016

Revolução duas rodas


Yang Liu, uma designer gráfica de origem chinesa que se mudou para a Alemanha quando tinha 13 anos, acaba de publicar “Oriente encontra Ocidente”, um livro de pictogramas comparando, de forma tão elegante quanto observadora, as duas culturas que conhece tão bem. Com a alemã a azul e a chinesa (obviamente) a vermelho, as páginas sucedem-se com contrastes curiosos, como em “Ruas ao domingo” (três almas perdidas no lado azul, uma imensa multidão no lado vermelho) ou “Resolução de problemas”, onde as pegadas germânicas passam por cima do obstáculo e as orientais contornam-no. E depois chegamos a “Transporte em 1970”, onde o país da Volkswagen está representado por um carro, enquanto a China, previsivelmente, está associada a uma bicicleta.

Se o livro ficasse por aqui a análise seria um pouco insossa – e falsa, como uma visita a Pequim ou Xangai, onde é possível passar dias no trânsito sem ver uma única bicicleta, pode comprovar. Mas a imagem que se segue é “Transporte, hoje” onde a China já está representada por um automóvel (é agora o maior mercado mundial para este produto), enquanto o símbolo da Alemanha é… uma bicicleta.

Claro que as Autobahnen continuam congestionadas, claro que a Volkswagen ainda é a segunda maior empresa automóvel do mundo e a BMW e Mercedes mantêm-se altamente lucrativas. E no entanto, ela move-se: a mudança de paradigma está a desenrolar-se perante os nossos olhos, e os europeus têm já uma aguda consciência de que o sacrossanto carro, do alto da sua tonelada e meia de peso e das suas emissões de gases fortemente poluentes, nem sequer chega a ser a forma mais rápida de nos deslocarmos para trajectos curtos dentro das cidades – e é óbvio que também não é a mais barata, a mais prática, a mais saudável ou nem mesmo a mais segura.

Assim vão surgindo sinais encorajadores, e a Alemanha, que nos anos 1930 inventou o conceito da autoestrada moderna, acaba de inaugurar aquela que é talvez a primeira super-ciclovia a ligar duas metrópoles, Essen e Mülheim. Essa verdadeira autoestrada para as duas rodas, com 6 metros de largura, iluminada à noite e com direito a ser limpa quando neva, estende-se agora por 11 km. O plano é mais ambicioso: atravessar toda a bacia do Ruhr, a maior aglomeração urbana da Europa, de Duisburgo no oeste a Hamm no leste passando por Dortmund e Gelsenkirchen. Serão mais de 100 km de exclusiva utilização por ciclistas, servindo uma população de mais de 2 milhões de potenciais interessados e apresentando a vantagem adicional de reutilizar o traçado de antigas linhas de caminho-de-ferro abandonadas. E claro, já antes muitos quilómetros de pistas dedicadas, embora mais antigas e não com este perfil, ligavam muitos pontos da Dinamarca, dos Países Baixos e da Bélgica. Até o Luxemburgo tem alguns bocados para apresentar.

A revolução ciclista tem um potencial tremendo que, se bem aproveitado, pode ajudar-nos a sair de várias das complicações em que nos fomos metendo. Existe um problema grave de saúde pública ligado à vida sedentária para a qual não fomos feitos – e aqui a bicicleta pode ajudar, como também pode ajudar a melhorar a terrível qualidade do ar que respiramos e que nos mata aos poucos. Também reduz a nossa dependência energética do petróleo, ajuda ao nosso próprio equilíbrio financeiro… e tem a possibilidade de reinventar todo o espaço público urbano (que foi construído em função do automóvel e está amiúde decadente), devolvendo-o ao usufruto das pessoas e das comunidades. Ao invés de uma via rápida ou um viaduto que divide e deprime a área em que é construído, uma ciclovia abrilhanta, atrai, faz renascer. Há uma luz ao fundo do túnel da mobilidade urbana, e essa luz aproxima-se a pedais.

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