Yang Liu, uma
designer gráfica de origem chinesa que se mudou para a Alemanha quando tinha 13
anos, acaba de publicar “Oriente encontra Ocidente”, um livro de pictogramas
comparando, de forma tão elegante quanto observadora, as duas culturas que
conhece tão bem. Com a alemã a azul e a chinesa (obviamente) a vermelho, as
páginas sucedem-se com contrastes curiosos, como em “Ruas ao domingo” (três
almas perdidas no lado azul, uma imensa multidão no lado vermelho) ou
“Resolução de problemas”, onde as pegadas germânicas passam por cima do
obstáculo e as orientais contornam-no. E depois chegamos a “Transporte em
1970”, onde o país da Volkswagen está representado por um carro, enquanto a
China, previsivelmente, está associada a uma bicicleta.
Se o livro ficasse
por aqui a análise seria um pouco insossa – e falsa, como uma visita a Pequim
ou Xangai, onde é possível passar dias no trânsito sem ver uma única bicicleta,
pode comprovar. Mas a imagem que se segue é “Transporte, hoje” onde a China já
está representada por um automóvel (é agora o maior mercado mundial para este
produto), enquanto o símbolo da Alemanha é… uma bicicleta.
Claro que as
Autobahnen continuam congestionadas, claro que a Volkswagen ainda é a segunda
maior empresa automóvel do mundo e a BMW e Mercedes mantêm-se altamente
lucrativas. E no entanto, ela move-se: a mudança de paradigma está a
desenrolar-se perante os nossos olhos, e os europeus têm já uma aguda
consciência de que o sacrossanto carro, do alto da sua tonelada e meia de peso
e das suas emissões de gases fortemente poluentes, nem sequer chega a ser a
forma mais rápida de nos deslocarmos para trajectos curtos dentro das cidades –
e é óbvio que também não é a mais barata, a mais prática, a mais saudável ou
nem mesmo a mais segura.
Assim vão surgindo
sinais encorajadores, e a Alemanha, que nos anos 1930 inventou o conceito da
autoestrada moderna, acaba de inaugurar aquela que é talvez a primeira
super-ciclovia a ligar duas metrópoles, Essen e Mülheim. Essa verdadeira
autoestrada para as duas rodas, com 6 metros de largura, iluminada à noite e
com direito a ser limpa quando neva, estende-se agora por 11 km. O plano é mais
ambicioso: atravessar toda a bacia do Ruhr, a maior aglomeração urbana da
Europa, de Duisburgo no oeste a Hamm no leste passando por Dortmund e
Gelsenkirchen. Serão mais de 100 km de exclusiva utilização por ciclistas,
servindo uma população de mais de 2 milhões de potenciais interessados e
apresentando a vantagem adicional de reutilizar o traçado de antigas linhas de
caminho-de-ferro abandonadas. E claro, já antes muitos quilómetros de pistas
dedicadas, embora mais antigas e não com este perfil, ligavam muitos pontos da
Dinamarca, dos Países Baixos e da Bélgica. Até o Luxemburgo tem
alguns bocados para apresentar.
A revolução ciclista
tem um potencial tremendo que, se bem aproveitado, pode ajudar-nos a sair de
várias das complicações em que nos fomos metendo. Existe um problema grave de
saúde pública ligado à vida sedentária para a qual não fomos feitos – e aqui a bicicleta
pode ajudar, como também pode ajudar a melhorar a terrível qualidade do ar que
respiramos e que nos mata aos poucos. Também reduz a nossa dependência
energética do petróleo, ajuda ao nosso próprio equilíbrio financeiro… e tem a
possibilidade de reinventar todo o espaço público urbano (que foi construído em
função do automóvel e está amiúde decadente), devolvendo-o ao usufruto das
pessoas e das comunidades. Ao invés de uma via rápida ou um viaduto que divide
e deprime a área em que é construído, uma ciclovia abrilhanta, atrai, faz
renascer. Há uma luz ao fundo do túnel da mobilidade urbana, e essa luz
aproxima-se a pedais.
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