terça-feira, 8 de março de 2016

O Canadá vai salvar o planeta


“Culpem o Canadá!”, cantavam as subversivas personagens de South Park. A canção tornou-se notória não apenas pelo seu humor para lá dos limites (chega a chamar “bitch” a uma conhecida cantora canadiana) mas também pela sátira a quem nunca enfrenta as responsabilidades – quem a canta é um casal com filhos mal-educados que prefere culpar um filme canadiano, e por inerência todo o país, a admitir que eles próprios possam ter criado uns monstrinhos.

Culpar o Canadá tem sido um desporto favorito entre quem está preocupado com as alterações climáticas no nosso planeta. E por boas razões: apoiado nas suas enormes reservas de carvão e areias betuminosas, liderado por um primeiro-ministro que não acredita que a acção humana esteja a aumentar a temperatura da Terra e se ri das energias renováveis, o Canadá – juntamente com a Austrália, cujo chefe de Governo uma vez definiu toda a ciência climática como “uma grande treta” – tem persistentemente minado as diferentes tentativas globais para reduzir as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. A sabotagem é extremamente eficaz porque o argumento dos países emergentes é imediatamente validado – se países ricos como o Canadá e a Austrália se recusam a reduzir o seu consumo de energias fósseis por medo de afectar a sua economia, é fácil à China ou à Índia alegar que não há outra forma de atingir o mesmo desenvolvimento que a de utilizar as mesmas energias. E de facto, a Índia aumenta o seu consumo de carvão a um ritmo de quase 10% ao ano, enquanto a China utiliza mais desta energia suja que todo o resto do mundo em conjunto.

Estamos na contagem decrescente para a grande cimeira sobre o clima que decorrerá em Dezembro em Paris – a COP21. A situação actual, medindo cuidadosamente as palavras, é dramática: a mão destruidora humana – está provado para além de qualquer dúvida razoável – é já responsável pelo aumento de 0,8 ºC na temperatura global da Terra; mesmo que por magia parássemos hoje de emitir CO2 para a atmosfera, o acumulado iria a médio prazo continuar a aquecer o planeta até 2 ºC adicionais – o “ponto de viragem” a partir do qual a sustentabilidade da nossa espécie começa a entrar em dúvida. Baseando-se nos apelos científicos cada vez mais estridentes, vários líderes estão a pôr pressão sobre as discussões que vão ocorrer em Paris, insistindo em que precisamos mesmo de chegar, pela primeira vez na História, a um acordo global e vinculativo sobre o clima da Terra, com reduções de emissões a partir do ano 2020 (quando termina o protocolo de Quioto).

As boas notícias? Esse acordo acaba de ficar mais próximo. Na boa tradição de intriga palaciana da política da Austrália, este país acaba de substituir o seu primeiro-ministro “negacionista do clima” por outro, Turnbull, que já considera que “as consequências de alterações climáticas sem controlo serão catastróficas”. E o Canadá foi a eleições há dois dias, nas quais os eleitores finalmente retiraram a maioria aos conservadores de Stephen Harper, viciados em petróleo e carvão, entregando-a aos liberais – um partido de centro-esquerda que se vai estrear na cena internacional em Paris jogando um papel construtivo, incentivando a transição das energias fósseis para as renováveis, e desbloqueando a permanente oposição entre os que procuram um acordo de redução ambicioso e os que arrastam os pés. Chega de culpar o Canadá – os canadianos não votaram apenas para eleger um governo, votaram também para salvar o planeta.

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