"A História
repete-se sempre, mas da segunda vez como farsa" é uma das frases mais
sonantes do filósofo de Trier (Tréveris), Karl Marx. O famoso advogado Clarence
Darrow retorquiu: "A História repete-se sempre, e isso é apenas um dos
problemas que a História tem". Este é um daqueles momentos em que estamos
no lado lunar, em que tudo se repete, como farsa, diante dos nossos olhos
aflitos.
É assim que, na
Hungria, se ergue um muro de divisão, reminiscente daquele outro muro a separar
dois mundos que se ergueu em Berlim (e com os mesmos quatro metros de altura, e
com arame farpado), apenas com uma diferença substancial: em Berlim o desespero
era para quem queria sair, na Hungria o muro é pensado para não deixar entrar.

É assim que, na
Hungria, o primeiro-ministro clama que aceitar estes refugiados seria “o fim da
Europa”, agitando os medos mais primários e populistas de parte da população –
mas logo em seguida, incoerentemente, também afirma que o problema “não é da
Europa, é só da Alemanha”. Talvez Juncker não estivesse tão fora do contexto
quando, jovial e desbragadamente, acolheu o húngaro Orbán em Bruxelas avisando
“vem aí o ditador”.
É assim que, na
Hungria, os tempos mudaram muito desde 1956, o ano da revolução. Em Outubro
desse ano, uma sublevação popular paralisou o governo pró-soviético e aboliu a
polícia política. A intenção era a de organizar eleições livres e expulsar as
tropas da URSS mas, menos de duas semanas mais tarde, os tanques soviéticos
entraram em Budapeste para restabelecer a ordem da Cortina de Ferro por mais
uma geração. Invadido e derrotado, o governo liberal de Budapeste abriu as
fronteiras para que muitos húngaros jovens e dinâmicos se salvassem; a um ritmo
de quase 8000 pessoas por dia, perto de 200 000 o fizeram. A Áustria (então
devastada pela derrota na II guerra) ficou sobrecarregada: o país abriu
escolas, igrejas e mesmo casas particulares para proteger aqueles milhares dos
rigores do inverno. Na Jugoslávia, os hotéis costeiros (nessa altura vazios)
foram requisitados para acolher o êxodo. A Áustria pediu auxílio à NATO, que
reconheceu a pressão sobre o país e estabeleceu um sistema de quotas que
permitiu o rápido realojamento da maior parte dos refugiados. A Alemanha
dispôs-se a acolher 10% do total de pessoas; também a Suécia, a Suíça, o Reino
Unido e mesmo os EUA e a Austrália se prontificaram a acolher um grande
contingente de húngaros. Um processo semelhante voltou a acontecer em 1968 após
outra abertura política esmagada pela URSS, a primavera de Praga, e, no fundo,
ao longo de meio século de comunismo em toda a Europa de Leste.
Solidariedade
europeia: essa parte da História não se repete, como já desconfiávamos. Hungria,
República Checa, Eslováquia e Polónia, países onde a gratidão e a memória estão
em falta, reuniram-se na sexta-feira para discutir a crise migratória actual;
no comunicado final da reunião, ao mesmo tempo que reafirmam a sua oposição a
aceitar mais refugiados, os líderes destes países também conseguem pedir à UE
mais dinheiro… para poder não o fazer.
Assim, realmente,
será o fim da Europa. Por entre a discórdia, o egoísmo e a miséria, não resta
muito espaço para a construção de um continente de paz e prosperidade.
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