quarta-feira, 16 de junho de 2010

Diário de um maratonista acidental

Começo por avisar que não sou um corredor. Regra geral, e bem vistas as coisas, acho que uma boa posta à mirandesa ganha sempre à partida contra uma vida regrada em que a recompensa é simplesmente a virtude, e conheço poucos prazeres mais urbanos – e genuínos – que uma longa noite de copos entre amigos. Não é que não goste de desporto, muito pelo contrário, simplesmente sempre me atraíram os jogos em que há duas equipas e uma bola a saltar em qualquer lado, e nunca percebi bem o prazer de simplesmente correr, em linha recta, sem nenhum outro fito que não seja o de… correr.
Estou no entanto impressionado com o que as provas de atletismo podem fazer para dinamizar uma cidade, nestes novos tempos em que estas competem entre si para atrair pessoas, acontecimentos, movimento, publicidade, negócios. Uma corrida bem pensada e publicitada segue o princípio estatístico minimax: minimiza as possíveis perdas – afinal, as ruas já estão construídas e são os cidadãos quem cria o acontecimento – e maximiza o ganho potencial, ao pôr a cidade no mapa, trazendo tantos turistas ocasionais como uma final europeia de futebol (e os corredores, com as suas famílias, até são bem mais pacíficos). Até o pequeno Luxemburgo já o compreendeu, encorajando (mas pouco…) uma maratona que na sua edição 2010, há duas semanas, sempre contou com 8000 corredores.
Por curiosidade, decidi inscrever-me numa prova que tem crescido de popularidade a cada ano (as inscrições, para 30000 vagas, abriram a 1 de Março e esgotaram no mesmo dia!). Os 20 km de Bruxelas apresentam um percurso que liga as zonas mais verdes e as mais endinheiradas da capital europeia. A organização deixa pouco ao acaso, com reabastecimentos regulares aos atletas e um pequeno chip electrónico que permite controlar os próprios tempos (e aos amigos seguirem a prova em tempo real no facebook). Restava, portanto, correr 20 quilómetros. Quão difícil pode ser?A resposta é: bastante difícil. Sobretudo para quem (como eu) decide sair na noite anterior, ou para quem (como eu) leva demasiado à letra as recomendações para “comer massas” e engole enormes quantidades de macarrão algumas horas antes da prova, acompanhadas de fatias de salmão fumado. Passei 12 km em luta com o estômago, até que as dores agudas nos joelhos e nas costas começaram a exigir mais atenção. Ainda assim acabei a prova, no mesmo dia em que escrevo este texto, e se bem que as pernas recusam-se agora a fazer o mais pequeno serviço, valeu a pena: pelo espírito especial do dia, pelas demonstrações de força interior e vontade humana que testemunhei, pela emotividade da chegada sob os aplausos e os incentivos da multidão. E porque Bruxelas se torna muito bela em tons pseudo-heróicos. Da próxima, só preciso de me lembrar para não comer mais salmão.

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