quinta-feira, 10 de março de 2011

Wisconsin blues

O estado norte-americano do Wisconsin não costuma aparecer nas notícias. É natural que assim seja – perdido no meio da massa continental dos Estados Unidos, esparsamente povoado (cerca de metade da população de Portugal e quase o dobro da sua área) e com uma economia sobretudo baseada na exploração pecuária, não há muito que o Wisconsin tenha para oferecer de excepcionalmente relevante ao mundo.

E no entanto este improvável lugar tornou-se repentinamente na linha da frente do combate total travado entre os defensores dos poderes públicos e do seu papel nas nossas sociedades, e aqueles que defendem o seu desmantelamento como forma de “agilizar” as nossas economias. Um combate que, como o leitor bem sabe, é divisivo, é duro, e tem barricadas bem definidas, tanto nos Estados Unidos como na Europa. E existe algo mais em comum nos dois continentes: o pêndulo da história está, desde os anos 1980, claramente inclinado para a direita.

O Wisconsin, primeiro estado americano a introduzir um subsídio de desemprego (nos anos 1930) e historicamente bastião democrata, conta com uma espécie de “contrato social” à americana: os sindicatos da função pública negoceiam colectivamente com a administração pública. O sistema tem dado bons frutos numa economia onde 7 dos 10 maiores empregadores são públicos. Mas existe um défice. Tal como na Europa, a reacção pavloviana é falar no “fardo” dos impostos e nos “cortes” – e logo o novo gorvernador entrou determinado a “quebrar a espinha” aos sindicatos, primeiro, e aos funcionários públicos, depois. Professores, enfermeiras, bombeiros, polícias e todos os outros. A “proposta” não é negociável: além dos cortes nos salários, que podem atingir os 10% e foram logo aceites, o governador exige que os sindicatos abdiquem de todos os seus direitos futuros de negociação colectiva, deixando todos – mesmo os não sindicalizados – ainda mais à mercê dos interesses do “corporate capital”. Nem a revelação da influência dos magnatas Koch, os dois maquiavélicos irmãos que financiaram a campanha do governador, e nem mesmo a confissão deste de que pensou em “contratar uns provocadores para criarem distúrbios nas manifestações” evitaram que, na última semana, 70000 pessoas estejam nas ruas, alguns dormindo à porta do parlamento de Madison – no meio da neve.

A discussão está de novo deslocada. Deveríamos combater as causas profundas dos défices – a diminuição das receitas públicas devido ao abrandar da economia muito para baixo do seu valor potencial. Deveríamos preocupar-nos com as taxas socialmente insustentáveis de desemprego (bem como com a ausência da criação de emprego), com o crescimento negativo constante dos salários reais –no Wisconsin mesmo o sector privado paga 1% mais que há 20 anos -, com o fenómeno crescente das desigualdade de rendimento. E pensar em como criar as bases para uma “economia do conhecimento”, como é vendida a panaceia para estes males reais, se por exemplo os professores estão entre os primeiros alvos a abater. Os cortes propostos pelo governador não fazem nada para equilibrar, pelo menos a curto prazo, o défice do estado, mas terão um efeito devastador na performance económica actual do mesmo. Também por isso, a derrota dos manifestantes (que têm comparado a sua saga “à do Egipto”) não deixará de ter consequências no resto do mundo ocidental, incluindo o “estatizado” Luxemburgo. É por isso que o Wisconsin interessa.

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