
O filme,
profético, é de 2011. Dois curtos anos mais tarde, Ratzinger, agora Bento XVI,
afirmou algo similar: "... tenho de reconhecer a minha incapacidade para exercer
de boa forma o ministério". Em ambos, o ficcional Melville e o muito real Ratzinger,
surpreende-nos a humanidade, choca-nos a impossibilidade do que acontece. Os
paralelismos terminam aí: Melville é apenas um homem perdido e confuso, que
sonha em ser actor e nunca almejou a liderar um imenso rebanho de crentes, ao
passo que Bento XVI, depois de toda uma vida de discussão teológica e
preparação para o cargo que atingiu finalmente aos 78 anos, nos reapresenta a características
humanas que pensávamos esquecidas: a dignidade, a rectidão, mesmo a coragem – a
coragem necessária para abandonar por sua própria vontade funções tão únicas
quanto as suas. O actual papa poderia ter escolhido simplesmente resistir até
ao seu fim, tal como seria esperado, tal como fizeram todos os seus
antecessores fragilizados pela doença e a perda de capacidades; mas não,
considerou que isso seria indigno e retirou-se. Ao fazê-lo, estilhaçou o dogma
da infalibilidade papal, mergulhou a estrutura da fé que lidera numa mar de
incertezas, redefiniu a própria natureza do papado – agora que sabemos ser
possível abandoná-lo em devido tempo, e podemos mesmo pensar em mandatos de
quatro anos, como um presidente – e abriu o caminho a um sucessor possivelmente
mais reformador, mais liberal, mais em sintonia com os nossos tempos. E como se
tudo isto não bastasse, surpreendeu meio mundo ao fazer, literalmente, História
– apenas a quarta (ou sexta) vez que um papa deixa o cargo ainda em vida, a
primeira por razões de saúde, e a primeira nos últimos 600 anos.
A mais recente
tinha sido em 1415 – uma época em que o trono de S. Pedro era a chave para um
poder imenso, tanto na vertente espiritual como na temporal, e controlá-lo era
em grande parte controlar o mundo que importava. A França tinha conseguido
impor os seus candidatos e trazê-los para Avinhão, Roma tinha resgatado a sua
própria linhagem, e para aumentar o caos, um concílio parcial em Pisa tinha eleito
um terceiro pretendente ao cargo. O papa proposto por Roma – Gregório XII, um
italiano – foi convencido finalmente a abdicar para que um novo concílio, em Constança,
pudesse eleger um candidato de consenso que acabasse com a brecha teológica que
ficou na História como o Grande Cisma do Ocidente.
Mas houve um
projecto de abdicação mais recente, nunca concretizado. Em 1941 o papa Pio XII
receava ser raptado pelos nazis que controlavam então grande parte da Europa, e
deixou instruções para o caso de isso acontecer. Os cardeais deveriam considerar
que existia uma sede vacante e fugir
para Portugal, um país neutral, onde se reuniriam para eleger um sucessor. A
mim parece-me um bom plano: a Árvore de Jessé e a talha dourada da igreja de S.
Francisco, no Porto, cortam a respiração de quem os vê da mesma forma que o
tecto da Capela Sistina.