terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Os impostos quando nascem não são para todos

Qual é a melhor profissão do mundo? Depende. Pessoalmente gostaria de ser fotógrafo de paisagens inexploradas, mesmo que o salário seja normalmente errático (ou inexistente) e a comida quente por vezes difícil de encontrar. Já ser rei ou rainha, príncipe ou princesa, no activo ou na reforma não faz tanto o meu estilo, mas devo admitir que traz consigo alguns benefícios não dispiciendos; certamente o menor destes não será levar toda uma vida de luxo e ostentação sem nada ter feito para isso a não ser nascer.

Ser considerado “superior” aos restantes seres humanos – e pior, “reinar” sobre alguns deles – sem outra base que não a “linhagem”, o “pedigree” ou o “nome”, e sem que o mérito ou a competência sejam para aqui chamados, já fere as minhas convicções e atenta aos princípios primordiais da existência humana. Mas quando a este privilégio herdado e não conquistado se adiciona a falta de ética ou a incapacidade de cumprir a lei, a questão entra no campo da essência: para que serve, afinal, uma monarquia? É esse o debate que está repentinamente (re)aberto em Espanha e na Bélgica, devido a dois casos de natureza algo diferente, mas com muitos pontos em comum: em ambos, nomeadamente, as “cabeças coroadas” inventaram uma fundação para fugir aos impostos. Estes mesmos que são um imperativo ético e moral, mas também os recursos devidos ao Estado que é afinal a única raison d’être das famílias reais... o mesmo Estado que graças a esses mesmos impostos paga uma mesada generosa às mesmas princesas e rainhas que tentam fugir aos impostos – os poucos que ainda deveriam pagar (estão isentos de taxação sobre o rendimento).

Na Bélgica, a rainha-mãe Fabíola criou uma fundação estritamente legal que iria assegurar, após a sua morte, “o sustento dos seus parentes em dificuldades”, tais como sobrinhas ou primos. De passagem, a organização permitiria que o vasto património da rainha ficasse isento do imposto sucessório (de uns exorbitantes 70% no país) e pagasse uns meros 7% de imposto aplicável às sociedades. A notícia causou uma revolta considerável num país também ele sujeito à ditadura da austeridade e cujos cofres públicos contribuem com 1,43 milhões de euros, todos os anos, para a manutenção da “casa” da rainha-mãe, o seu palácio e assessores (este valor não inclui as restantes dotações para o rei Alberto, a rainha Paola ou os vários príncipes); o próprio governo, excepcionalmente, alinhou nas críticas e Fabíola acaba de desistir da fundação. Não sem consequências: a instituição monárquica está ainda mais manchada, e será muito mais controlada de futuro (além de que receberá menos dinheiro dos contribuintes).

A fundação das infantas espanholas era mais controversa, dado que operava na ilegalidade: a infanta Cristina e o seu marido, Iñaki – os “duques de Palma de Maiorca” (a cidade acaba de requerir a retirada do título, dado que não quer estar associada a corrupção) – criaram-na para conseguir contratos, sobretudo nas ilhas baleares, inflacionando o seu preço e inventando despesas que nunca foram feitas. Também contrataram “a negro” imigrantes ilegais. Resultado, muitos euros sonegados aos cofres públicos, e a maior crise de regime em Espanha desde o fim da ditadura, com um coro de cidadãos furiosos a pedirem, nas ruas, uma verdadeira refundação do sistema. Os contribuintes europeus estão exangues; sopram ventos de mudança, e tal como em 1914, há quase cem anos, as aristocracias ainda não os entenderam. Curiosamente foi um filósofo espanhol, Santayana, que famosamente disse: “Aqueles que não conhecem o passado estão condenados a repeti-lo”.

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