quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Atenas contra Esparta: é aqui e agora

Atenas e Esparta eram cidades amargamente rivais na Antiguidade Clássica. Apesar de ambos serem expoentes da cultura helénica, os dois impérios competiram durante séculos num choque que desaguou na tremenda Guerra do Peloponeso – na qual a rígida e oligárquica Esparta acabou, ao fim de 27 longos anos e com o auxílio de outras potências como a Pérsia, por vergar a democrática Atenas. A mais importante cidade-estado do século V a.C. nunca mais conseguiu recuperar da derrota, e a idade do ouro da Grécia deu lugar à pobreza generalizada por todo o mar Egeu.

Há aqui mais do que um paralelismo com o que se vai passar hoje e amanhã, quarta e quinta-feira, no campo de batalha de Bruxelas. O novo governo democrático de Atenas, inconformado perante a oligarquia vigente na Europa manobrada a partir da ideologia espartana de Berlim, defronta no Conselho Europeu uma coligação de Estados cujas políticas levam ao empobrecimento crescente dos seus cidadãos. E tal como há quase 2500 anos, talvez Atenas não esteja sozinha: os ministros das Finanças da França, de Itália, da Polónia, do Reino Unido e – mais surpreendentemente – mesmo da Áustria acabam de declarar em público o seu apoio a algumas das propostas do novo governo Syriza para resolver a crise da dívida grega.

“Combater a fraude e evasão fiscais faz mais sentido do que cortar na despesa e privatizar durante a crise”, afirmou Faymann, o chanceler austríaco, numa tão acertada quanto inusitada (pela sua raridade) crítica directa à condução alemã. A ajuda é bem-vinda numa altura em que os “mind games” entre a Grécia e a Europa estão ao rubro. Tsipras diz que a dívida é para pagar, mas que é preciso renegociá-la; a Aleman… perdão, a Europa responde que o que ficou combinado antes (leia-se: mais austeridade) é para cumprir até ao fim. Varoufakis afirma que a Grécia não vai pedir à Europa para renovar o seu plano de resgate – que termina este mês e sem o qual o país entrará rapidamente em bancarrota. A Alemanha, e a Europa em seguida, insinua já estar preparada para deixar cair a Grécia do euro. E a Grécia desafia subindo a parada e deixando no ar a pergunta: “se nós sairmos do euro seremos os únicos? Ou Portugal será a carta seguinte a cair do castelo?”

A discussão no Conselho de Bruxelas vai ser, está a ser, duríssima. E arrisco dizer que Esparta vai vencer em toda a linha: a chanceler Merkel não se comove com as referências veladas ao erro histórico que é humilhar uma nação orgulhosa, e não quererá oferecer a mínima concessão que possa auxiliar os rebeldes gregos e encorajar dissidências da mesma estirpe noutros países. Tudo num contexto em que o BCE em Frankfurt estrangulou ainda mais as possibilidades da Grécia ao passar a recusar os seus títulos como garantia, enquanto a Bolsa se vai afundando e é sabido que o país precisa de uma linha de crédito até ao verão. Ou seja, a posição negocial da Grécia é terrível.

Mas esta batalha de Bruxelas é somente a primeira. Pouco a pouco, Atenas já está a mudar a consciência da Europa, ajudando-nos a perceber que, tal como Esparta sacrificava os seus efebos, também nós desperdiçamos toda uma geração. Estamos perante algo que pode ser histórico: o momento em que a Europa começou a desviar-se lentamente do abismo.

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