"Ganhar não é tudo; é,
isso sim, a única coisa" é uma citação muito usada no desporto americano,
sendo atribuída a um famoso treinador dos anos 50. Se pensarmos bem, traduz uma
filosofia brutal, pois sacrifica talento, superação ou desportivismo no altar
dos resultados a qualquer custo. Ou seja, quer simplesmente dizer que vale
tudo, em directa oposição à lendária filosofia de Pierre de Coubertin, o fundador
dos jogos olímpicos: "O importante não é vencer, mas sim competir".
Sabemos bem quão vazias são
estas palavras. Os Jogos não são hoje mais do que um gigantesco esquema de
concentração de riqueza e demonstração de poder económico e político, com o
número de medalhas de cada país a variar consoante ambos. E cada vez mais com
uma ajuda preciosa de algum passaporte estrategicamente atribuído após mais uma
naturalização de timing apressadíssimo.
Em Londres 2012, os casos de mudança de nacionalidade dispararam e foi patético,
por exemplo, ver o cubano Yamile Aldama saltar envergando a emblemática
bandeira do Reino Unido, ele que em 2004 tinha competido pelo Sudão.
A farsa acaba de subir
nível através do andebol. O campeonato do mundo deste desporto terminou domingo
no Qatar, com este minúsculo país a só ser derrotado na final pela França,
depois de ter deixado para trás Brasil, Chile, Eslovénia, Espanha, Áustria,
Alemanha e Polónia, todos potências da modalidade. A explicação começa ao ler
os nomes dos jogadores da equipa árabe: Damjanović, Memišević, Stojanović, Marković,
Borja Vidal, Rafael Capote… quase todos ex-jugoslavos ou cubanos (também há
franceses e sírios), orientados por um espanhol. O guarda-redes Šarić competiu
pela quarta selecção da sua carreira… e muitos destes jogadores só se tornaram
cidadãos qataris no último ano.
O Qatar foi ao mercado
comprar uma forte equipa de andebol, mas nem isso chegava para quem quer ter
uma exposição global ao nível das seus formidáveis fortunas do petróleo; e
então sucedeu também que os árbitros foram caseiros como talvez nunca antes tenham
sido. No fim do jogo da semifinal, os jogadores polacos aplaudiram… não os
adversários com quem tinham acabado de perder, mas sim o trio de árbitros que
tinha desequilibrado a balança. Seria tudo? Não, ainda faltava qualquer coisa
para completar a farsa: o apoio nas bancadas, a festa, a paixão, a alma que os
adeptos qataris (se existir algum) nunca poderiam emprestar ao jogo. Nada que o
dinheiro não possa também comprar: e foi assim que 70 adeptos viajaram com tudo
pago desde Cuenca, umas das regiões de maior desemprego em Espanha, para
servirem de claque para o Qatar – camisolas, bandeiras e cânticos incluídos,
não faltando até o cantar do hino qatari (aprendido à pressa e entoado com a
mão sobre o coração)… e isto mesmo no jogo contra a própria Espanha.
Através de um processo
altamente suspeito, o Qatar obteve da FIFA o direito de organizar o campeonato
do mundo de futebol daqui a sete anos. Talvez nessa altura, em vez de à final,
cheguem mesmo ao título – e será então altura de acabarmos com as competições
entre países por elas se terem tornado irrelevantes. Afinal, se apenas se trata
de ter mais dinheiro para contratar os melhores jogadores e tentar formar a
melhor equipa, já temos as competições de clubes a preencher bem esse espaço.
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