quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Como comprar um campeonato do mundo


"Ganhar não é tudo; é, isso sim, a única coisa" é uma citação muito usada no desporto americano, sendo atribuída a um famoso treinador dos anos 50. Se pensarmos bem, traduz uma filosofia brutal, pois sacrifica talento, superação ou desportivismo no altar dos resultados a qualquer custo. Ou seja, quer simplesmente dizer que vale tudo, em directa oposição à lendária filosofia de Pierre de Coubertin, o fundador dos jogos olímpicos: "O importante não é vencer, mas sim competir".

Sabemos bem quão vazias são estas palavras. Os Jogos não são hoje mais do que um gigantesco esquema de concentração de riqueza e demonstração de poder económico e político, com o número de medalhas de cada país a variar consoante ambos. E cada vez mais com uma ajuda preciosa de algum passaporte estrategicamente atribuído após mais uma naturalização de timing apressadíssimo. Em Londres 2012, os casos de mudança de nacionalidade dispararam e foi patético, por exemplo, ver o cubano Yamile Aldama saltar envergando a emblemática bandeira do Reino Unido, ele que em 2004 tinha competido pelo Sudão.

A farsa acaba de subir nível através do andebol. O campeonato do mundo deste desporto terminou domingo no Qatar, com este minúsculo país a só ser derrotado na final pela França, depois de ter deixado para trás Brasil, Chile, Eslovénia, Espanha, Áustria, Alemanha e Polónia, todos potências da modalidade. A explicação começa ao ler os nomes dos jogadores da equipa árabe: Damjanović, Memišević, Stojanović, Marković, Borja Vidal, Rafael Capote… quase todos ex-jugoslavos ou cubanos (também há franceses e sírios), orientados por um espanhol. O guarda-redes Šarić competiu pela quarta selecção da sua carreira… e muitos destes jogadores só se tornaram cidadãos qataris no último ano.

O Qatar foi ao mercado comprar uma forte equipa de andebol, mas nem isso chegava para quem quer ter uma exposição global ao nível das seus formidáveis fortunas do petróleo; e então sucedeu também que os árbitros foram caseiros como talvez nunca antes tenham sido. No fim do jogo da semifinal, os jogadores polacos aplaudiram… não os adversários com quem tinham acabado de perder, mas sim o trio de árbitros que tinha desequilibrado a balança. Seria tudo? Não, ainda faltava qualquer coisa para completar a farsa: o apoio nas bancadas, a festa, a paixão, a alma que os adeptos qataris (se existir algum) nunca poderiam emprestar ao jogo. Nada que o dinheiro não possa também comprar: e foi assim que 70 adeptos viajaram com tudo pago desde Cuenca, umas das regiões de maior desemprego em Espanha, para servirem de claque para o Qatar – camisolas, bandeiras e cânticos incluídos, não faltando até o cantar do hino qatari (aprendido à pressa e entoado com a mão sobre o coração)… e isto mesmo no jogo contra a própria Espanha.

Através de um processo altamente suspeito, o Qatar obteve da FIFA o direito de organizar o campeonato do mundo de futebol daqui a sete anos. Talvez nessa altura, em vez de à final, cheguem mesmo ao título – e será então altura de acabarmos com as competições entre países por elas se terem tornado irrelevantes. Afinal, se apenas se trata de ter mais dinheiro para contratar os melhores jogadores e tentar formar a melhor equipa, já temos as competições de clubes a preencher bem esse espaço.

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