terça-feira, 14 de julho de 2015

As notícias da morte do euro são exageradas


Autor das “Aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn”, Mark Twain foi um dos maiores escritores em língua inglesa. Talvez mais do que isso, era senhor de uma ironia mordaz e um talento para a comédia quando a comédia não era, como hoje, uma possível opção de carreira. Essa personalidade inspirou o comentário que fez ao ler o seu próprio obituário num jornal que, por engano, tinha anunciado o seu falecimento: “as notícias da minha morte são algo exageradas”.

O mesmo comentário poderia ter sido proferido pelo euro se a moeda lesse jornais e falasse. No dia em que escrevo, segunda-feira, o Los Angeles Times titula “O euro e a União Europeia estão em perigo”; a moeda desvaloriza nos mercados cambiais; as previsões para o futuro próximo da Grécia são todas apocalípticas, o que até é apropriado porque “apocalipse” é uma palavra de origem grega – e significa “descoberta” ou “revelação”.

Chegamos a este ponto impensável por via da insanidade: a insanidade política e económica das elites conservadoras que há demasiado tempo dominam, sem oposição, a Europa, impondo uma agenda ideologicamente extremista que não admite alternativa e muito menos dissidência. Merkel preferiria caminhar sobre carvões em brasa – ou então arriscar a destruição do projecto europeu – a permitir que os rebeldes do Syriza fossem bem-sucedidos e proliferassem até Portugal e Espanha. Sobre a parte política estamos conversados, mas o lado económico é mais grave.

Em cinco anos de receitas austeritárias completamente erradas – algo que é, e importa sublinhá-lo outra vez, admitido relutantemente por alguns dos próprios “médicos” que as administraram – a Grécia realizou um esforço brutal de ajustamento económico. Entre 2009 e 2014, o saldo orçamental grego melhorou em 12% do PIB (e o país tem hoje um excedente orçamental significativo). O mesmo aconteceu com a sua balança de transacções correntes. Para obter estes resultados exigidos, metido numa camisa de forças económica, o país perdeu 25% da sua riqueza; o desemprego, a pobreza, a miséria e mesmo a fome dispararam. 3 milhões de gregos não têm hoje acesso a cuidados de saúde básicos. Agora os bancos estão fechados e falidos, e há um controlo de capitais em vigor (cada pessoa só pode levantar 60 euros por dia).

Não foi o actual governo grego quem criou este estado de coisas medonho (que aliás estilhaça muitos dos ideais românticos inspirados pela UE). Tsipras e Varoufakis tiveram o mérito de compreender que o país estava preso numa armadilha de que nunca se iria libertar, sendo ajudado apenas o estritamente necessário para não falir mas sempre impedido de crescer e tornar-se senhor do próprio destino. Daí as suas atitudes insolentes, próprias de quem pensa não ter muito a perder.

É uma irresponsabilidade, pois no curto prazo as consequências de uma saída do euro seriam terríveis para a Grécia (algumas já estão visíveis). No longo prazo, porém, o impacto nos credores – que nunca recuperariam o que emprestaram – e na própria Europa, dividida por feridas irreparáveis, seria muito mais devastador. É por isso que acredito que a Razão e a Inteligência acabarão por prevalecer entre políticos e economistas; que o referendo de domingo instará a um bom acordo; que a Grécia acabará por conseguir um balão de oxigénio; e que as notícias sobre a morte do euro são, de facto, algo exageradas.

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