terça-feira, 14 de julho de 2015

Reciclarte


Nem tudo o que reluz é ouro. Por outro lado, nem todos os caixotes abandonados contêm apenas tralha sem valor – uma verdade que uma californiana anónima, mais do que ninguém, deveria conhecer. Esta mulher-mistério perdeu o seu marido e, passado algum tempo, decidiu libertar-se das suas possessões terrenas. Ofereceu as roupas, doou os livros, vendeu o carro. Por fim sobraram alguns caixotes com cabos e circuitos electrónicos na garagem. Provavelmente resmungando contra as manias de acumulação de lixo do falecido esposo, a nossa heroína dirigiu-se ao centro de reciclagem mais próximo e entregou-lhes todos aqueles resíduos, alguns deles com quase 40 anos.

Antes de destruir tudo e eventualmente aproveitar algumas pecinhas, os funcionários do centro de reciclagem abriram um caixote... e descobriram que aquele emaranhado constituia um dos apenas 63 exemplares sobreviventes do Apple Computer 1, ou seja, o primeiro produto da que é hoje a empresa mais valiosa do mundo – a capitalização bolsista da Apple já ultrapassou o PIB da Suíça ou da Arábia Saudita, e também os valores somados da Google e da Microsoft...

O primeiro Apple, produto exclusivo da mente brilhante de Steve Wozniak, tinha sido criado sobretudo para impressionar a pequena comunidade de “engenhocas” da cidade onde Wozniak e o seu amigo Steve Jobs viviam; basicamente era apenas uma placa-mãe de circuitos (não incluia teclado, caixa, alimentação nem ecrã) com 4 Kb de memória RAM. Foi Jobs quem teve a ideia de vender o aparelho a partir do próprio local onde ele era fabricado pelos dois: a garagem de casa dos pais. Custava na altura o equivalente a 2500 euros actuais; como peça de colecção, o seu valor é agora muitas vezes superior, e de facto o centro de reciclagem imediatamente vendeu o exemplar abandonado pela bonita soma de 200 mil dólares, dos quais metade pertencem à nossa viúva misteriosa. Pequeno problema, ninguém sabe quem ela é ao certo, e apesar dos ecos desta história terem corrido mundo nos últimos tempos, a incógnita sobre a sua identidade permanece.

Histórias de objectos desaproveitados, ou comprados por tostões quando na verdade valem milhões, são mais frequentes do que parecem. Já foram redescobertos móveis, jóias, quadros valiosos; um motorista de camião aposentado pagou 4 euros por um quadro “tão feio” que serviria para uma brincadeira de amigos, e acabou por levar para casa um enorme Jackson Pollock (quando informado do facto, usou um palavrão para perguntar “quem é esse?”). Mas talvez o caso mais impressionante dos últimos anos tenha acontecido quando uma senhora viu, por entre todos os bricabraques de um mercado de rua, uma moldura de que gostou e pela qual pagou 6 euros; no momento em que começou a separá-la do quadro (uma paisagem de flores e água), a mãe parou-a e telefonou a um especialista. Tratava-se de uma obra do mestre Renoir, valendo mais de 100 000 euros... num golpe de teatro posterior, descobriu-se que o quadro tinha sido roubado a um museu em 1951, pelo que a sua redescobridora não obteve qualquer compensação pelo feito.

A única lição possível é: antes do caixote de lixo, certificarmo-nos de que é mesmo tralha e não ouro disfarçado. E, cara leitora, se no mês passado andava pela Califórnia a deitar fora computadores velhos, apresente-se: há uma agradável montanha de notas verdes à sua espera.

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