terça-feira, 16 de junho de 2015

Prometeu agrilhoado

O titã Prometeu é um dos mais personagens de maior influência na mitologia grega. Ao exercer um enorme fascínio sobre os autores clássicos, que por sua vez definem uma grande parte da cultura ocidental nos últimos dois milénios, a história de Prometeu é uma metáfora poderosa sobre as relações humanas ou, em última instância, do que somos enquanto espécie.

Segundo a mitologia, o titã era da confiança dos deuses e nomeadamente de Zeus… até ao momento em que levou o fogo, dentro de um caule de funcho, do Olimpo até aos humanos. O fogo assim descoberto significou para os mortais a sua relativa independência dos temperamentais deuses, e Prometeu tornou-se um herói na Terra; mas Zeus não achou piada nenhuma à façanha e condenou Prometeu à punição eterna de ficar acorrentado a uma rocha no topo de um monte onde, todos os dias, uma águia lhe comia o fígado, órgão que voltava a crescer no dia seguinte antes da chegada do pássaro.

Os deuses actuais da Grécia são os seus credores, nomeadamente os bancos alemães, e pelo uso descuidado do fogo/euro que a Grécia fez condenaram-na a nova punição eterna: a servidão financeira sem fim, sem redenção à vista, sem recuperação possível. A cada ponto percentual de redução do défice que a Grécia obtém – e os números mostram que o país tem feito um esforço verdadeiramente titânico nesse sentido –, logo aparece a águia da austeridade para comer fígado, coração e cérebro com o seu círculo vicioso, pois os multiplicadores macroeconómicos associados significam que para cada excedente do défice são precisos cortes duas vezes mais altos, e a economia vai contrair-se três vezes mais. Em números: nas duras negociações que estão a decorrer (e a falhar) enquanto escrevo estas linhas, os credores exigem uma melhoria orçamental de 1,66% do PIB grego (de um défice esperado de 0,66% para um superavit de 1%); mas para atingir esses 1,66%, serão precisas medidas (aumento dos impostos e corte nas despesas do Estado) no valor de 3,33% do PIB – e a economia vai contrair-se em cerca de 5% do mesmo. Finalmente, o aumento da dívida é grosso modo proporcional ao encolhimento do PIB – mas como a dívida grega já está nos 180%, o aumento seria de 9 pontos percentuais, caminhando a passos largos para uns impensáveis 200% do produto. Mais ou menos o dobro de antes da intervenção da troika, há cinco anos.

Há dois cenários indesejáveis na mesa: ou a Grécia continua a sua penitência para sempre, com toda uma geração de jovens gregos a ser punida por eventuais erros das anteriores gerações, um desemprego generalizado, uma economia espartilhada, uns pagamentos de juros agiotas; ou o país entra em incumprimento, sendo levado a sair do euro, os seus bancos deixam de funcionar, o dinheiro desaparece, e os efeitos dentro de portas – mas também nas restantes economias do euro e no próprio projecto europeu – são imprevisíveis mas certamente devastadores. E isto para todos.

A dívida continua a ser um problema político e não técnico. São os políticos – Tsipras, Merkel, Hollande, Juncker – quem o deve resolver de forma duradoura e não ideológica, e está a chegar a altura de o fazer. O eminente economista Thomas Piketty afirma que mais tarde ou mais cedo será obrigatório reestruturar e perdoar todas as dívidas soberanas, incluindo a de Portugal; quanto mais tardarmos, pior ficará a situação.

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