Escrito por um historiador britânico, "Os
Sonâmbulos" é um trabalho de investigação notável sobre os anos que
conduziram ao verão de 1914 e a catastrófica Grande Guerra. A tese central do
livro de Chris Clark – que ensina História europeia moderna em Cambridge – é de
que os principais actores políticos da época, desde o kaiser Guilherme ao rei de Inglaterra, passando pelo czar das
Rússias ou o presidente francês, se depararam muitas vezes com sentimentos de
"inevitabilidade". Ou seja, que considerando as acções de todos os
outros, a sua reacção só poderia ser uma, e essa significava mais um pequeno
passo em direcção ao abismo. Todos os passos somados levariam à queda – de repente,
os sonâmbulos acordaram e a Europa estava em guerra total.

Mesmo após o referendo, esta não é uma pergunta de branco
ou preto, há muitas zonas de cinzento. Desde logo porque se pode argumentar que
nunca – sobretudo com o actual primeiro-ministro – o país esteve realmente dentro
da Europa, o que aliás provoca a situação paradoxal em que David Cameron se
encontra: quer “reformar a União Europeia” e “renegociar a situação do Reino
Unido na UE”, mas nunca teve tão poucos amigos, ou tão pouca influência, como
actualmente. O que torna a sua tarefa numa quadratura do círculo: terá de
apresentar propostas que agradem aos seus correligionários de partido, cada vez
mais radicais; a um eleitorado cada vez mais simplista e nacionalista, a quem
prometeu um referendo; e a uns parceiros europeus de paciência esgotada (não
por acaso, a mensagem de parabéns de Juncker a Cameron na sexta-feira terá sido
uma das cartas mais curtas de sempre).
Essa negociação impossível não vai resultar, logo a
pergunta será colocada: sim ou não à Europa? Alguns amigos britânicos que
trabalham em política professam-me a sua esperança em que o bom senso venha a
prevalecer, e lançam os seus argumentos: os conservadores, no fundo, apenas
obtiveram 37% dos votos expressos; perante uma alternativa clara à Europa, os britânicos,
que bem no fundo se sentem europeus, votarão sim; e claro, o pragmatismo
ajudará muito (3 milhões de empregos, 25 000 empresas e muitos milhões de
milhões de libras dependem do mercado único e do facto de Londres ser uma
capital europeia).
São ilusões. Neste momento, não há vitória possível para
o “sim”; o referendo será sobre matérias mais emocionais – e totalmente
falaciosas – como “mais soberania”, desconfiança em relação a Bruxelas, o facto
do país ser uma ilha, etc. Enquanto sabemos o que o “sim” significa, não
sabemos bem o que o “não” quererá dizer, mas isso é precisamente um trunfo para
esse campo, que aglutinará tudo – desde o voto de protesto contra o sistema,
como o nacionalismo radical, como aqueles que querem ser uma segunda Suíça… O “não”
vai vencer a votação.
A Europa precisa e vai ter saudades do Reino Unido. Este,
curiosamente, vai ter menos saudades da Europa, mas perderá muito mais com a
separação. Os sonâmbulos estão outra vez a caminhar para o abismo.
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