terça-feira, 9 de junho de 2015

Se nem a FIFA limpamos…


Sepp Blatter sucedeu a Sepp Blatter. Isto não é notícia nenhuma, obviamente: esta afirmação tem ares de inevitabilidade cósmica. Ou seja, tal como se ensinava há muitos anos nas faculdades de jornalismo, se o homem mordeu o cão é notícia, mas se o cão mordeu o homem já não é. E não há cão mais mordedor que Blatter.

A notícia aqui é que continuamos a permitir, impotentes, que escroques se apoderem daquilo que nos é querido e importante – neste caso, do magnífico desporto que é o futebol, “the beautiful game”. Um jornal anglo-saxónico publicou ontem uma lista que faz tremer qualquer adepto, a dos 12 homens que arruinaram o futebol. Um deles é o português Jorge Mendes (simbolizando ali os agentes de futebolistas que também gerem os interesses de clubes inteiros, num conflito de interesses evidente), outro o tailandês que gere uma gigantesca rede de apostas ilegais em resultados combinados, ainda outro Jean-Marc Bosman, o futebolista medíocre que abriu o caminho à extinção completa do amor à camisola. Mas todos os restantes são o que os brasileiros designam por “cartolas”: os dirigentes que nunca jogaram, nunca treinaram, nunca vibraram, mas obtêm do futebol uma vida principesca e decadente. E à cabeça deles todos, obviamente, está o suíço Blatter, o homem que trabalha na FIFA desde 1975 (são quatro décadas) e é o seu presidente desde 1998. Nesse ano, o lucro desta organização sem fins lucrativos (suprema ironia) foi de 25 milhões de dólares, mas hoje em dia é de uns muito mais adequados 1500 milhões, provindos das multinacionais que pagam o carrossel: Coca-Cola, Adidas, Hyundai, Visa, McDonald’s, Gazprom e Budweiser.

As espectaculares detenções de 14 vice-presidentes e altos responsáveis da FIFA, ocorridas dois dias antes da reeleição do ditador de Zurique, só pecam por muito tardias mas têm também as suas zonas de sombra: foram instigadas pela Justiça dos EUA, um país que não quer saber de futebol mas consegue mais uma grande vitória no plano da imagem, bem nas barbas das passivas autoridades europeias (estas, como sempre, fortes com os fracos mas fracas com os fortes); e, apesar de ser mais um fortíssimo argumento para todos nós que sabemos quão podre e tóxica é a cúpula reinante do futebol, o processo está incompleto. O Padrinho Blatter passou incólume, foi reeleito e excedeu-se no desplante do seu discurso de vitória, na sexta-feira: “Sou o presidente de todos. E não posso andar a vigiar o que todos fazem”.

Não o subestimem. Blatter, o déspota apoiado por outros déspotas, é tão maquiavélico como hábil: não mudará os anfitriões dos próximos campeonatos do mundo, Rússia e Qatar, a não ser que sinta o seu lugar em perigo; e se isso não aconteceu até agora, é difícil imaginar que venha a acontecer. Pelo contrário, diria mesmo que existe uma boa possibilidade que o suíço queira alterar o seu legado histórico e surgir, nos próximos tempos, como o homem que está a limpar a FIFA, em vez de simbolizar o homem que conspurcou o futebol. Já houve transformações mais improváveis.

No fundo, a dúvida que me assalta ao assistir a todo este espectáculo deprimente é mais preocupante: os anos passam e simplesmente não conseguimos resolver um problema tão patético como a FIFA. Que esperança podemos ter então em salvar os mares moribundos, combater o fanatismo religioso ou alimentar todo o planeta? Nem quero pensar na resposta.

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