terça-feira, 9 de junho de 2015

Juncker tem um (bom) plano


Jean Monnet, um dos “pais fundadores” da Europa, usou por várias vezes a metáfora da bicicleta: para ir em frente sem cair, a UE teria de estar a pedalar constantemente. E Jacques Delors, um dos seus ilustres sucessores, teorizou sobre os “pequenos passos” da construção europeia, que num mundo em constante mudança poderiam não ser suficientes e exigir isso sim mudanças quantitativas.

Depois do imobilismo de uma década de Barroso, a pergunta é legítima: qual foi a última vez que a Comissão Europeia usou o seu poder de iniciativa para impulsionar uma ambiciosa reforma? A resposta mais correcta será porventura a introdução do euro… em 2002. Há demasiado tempo.

Os primeiros meses do team Juncker não foram promissores, trazendo o cancelamento de vários temas que transitavam do passado sob o manto protector de uma anunciada intenção de “legislar melhor” (ou seja, muito menos). Mas a semana passada trouxe uma boa surpresa: sob uma pressão mediática terrível, com incessantes barcos de migrantes vindos de África e uma opinião pública polarizada sobre o problema, a Comissão adoptou a sua “Agenda para as Migrações”, mostrando que tem a determinação e os recursos (inteligência, coragem, peso político) para (pelo menos tentar) atingir os seus objectivos.

O plano apresentado tem principalmente dois pontos-chave: acabar com o absurdo de 28 políticas diferentes de migração e asilo num continente onde as fronteiras internas foram suprimidas, e enquadrar ao mesmo tempo um fluxo migratório inevitável de que a Europa, mesmo não o querendo admitir, tem necessidade. Mais do que isso: os imigrantes que chegam em barcos, bem como os outros que entram de outras formas, serão fulcrais para que no futuro esta parte do mundo se mantenha competitiva, relevante… numa palavra: viva.

O desafio é enorme. A Agenda obriga os Estados-Membros europeus a redistribuir o esforço de processamento dos pedidos de asilo, que neste momento recaem sempre sobre o Estado de chegada – ou seja, Itália, Grécia, Espanha ou Malta. E, de acordo com uma fórmula que tem em conta a riqueza do país, a sua taxa de desemprego e a sua população, estabelece uma quota de refugiados obrigatória por país – por exemplo, Portugal deveria receber a cada ano 704 refugiados, enquanto que no ano passado o país recebeu uns meros… 14.

O obstáculo reside precisamente aqui. Juncker teve a coragem de iniciar um braço-de-ferro com os Estados; estes, por razões que vão desde a falta de visão ao populismo egoísta, não querem ser forçados a nada e já rejeitaram maciçamente a imposição de quotas, ameaçando pela base todo o novo sistema, ao mesmo tempo que organizam uma operação naval para destruir os barcos utilizados pelos traficantes na Líbia – uma medida necessária, sem dúvida, mas muito longe de suficiente para resolver a crise.

A Comissão percebeu que a Europa precisa, também nesta área, de um salto em frente e mostrou audácia. Cabe aos líderes dos diferentes países europeus mostrarem-se ao mesmo nível, para que o nosso mar deixe de ser um cemitério, e porque não é possível simplesmente ignorar o problema. As perspectivas? Não são animadoras.

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