sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Dezembro de 2011, recordem-se

"Estamos de pé à beira do precipício. Este é o momento mais assustador da minha vida de ministro, mas também por isso é também o mais sublime. As gerações futuras julgar-nos-ão pelo que fizermos agora, ou por falharmos agora. Podemos criar os alicerces para décadas de grandeza e prosperidade - ou podemos alijar a nossa responsabilidade e contentarmo-nos com o declínio."

O homem que proferiu estas palavras chama-se Sikorski e é um estadista polaco, mas não se trata do quase mítico general que liderou o governo no exílio enquanto o seu país era ocupado pela Alemanha nazi; e o discurso grandiloquente também não foi declamado antes de uma iminente e decisiva batalha, mas sim na semana passada, em Berlim. O que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, o país que neste momento preside à União Europeia, proferiu de forma arrepiante, verdadeiramente pungente, foi um apelo: um apelo a que evitemos o abismo. E tal passa sempre, inevitavelmente, pela Alemanha - pelo que Sikorski interpelou quem dirige a Alemanha. Olhos nos olhos, honrando a venerável tradição de "speaking truth to power", o ministro disse muito daquilo que todos nós gostaríamos de dizer. Começou por referir a desintegração sangrenta da Jugoslávia, que começou quando a sua república mais poderosa, a Sérvia, decidiu unilateralmente imprimir a sua própria moeda. Continuou citando o filósofo alemão Kant, que perorava sobre a importância moral do dinheiro, para definir que a União Europeia está fundada nos pilares da Responsabilidade e da Solidariedade.

Sikorski conclui que na base do que nos trouxe a este problema está um problema de Confiança (ou seja, de credibilidade), não se esquecendo de apontar como origem da mesma situações como a violação do Pacto de Estabilidade por parte da Alemanha e da França em 2003 - o mesmo pacto foi depois quebrado pelo menos 60 vezes por todos os países do euro (menos o Luxemburgo) nos últimos anos, tendo como consequência a gravíssima crise da dívida que hoje ameaça tantos aspectos da nossa vida. E o mais interessante de tudo são as condições que são postas aos anfitriões alemães para podermos seguir em frente. Elas parecem-me todas cruciais:

A Alemanha deve admitir que é a maior beneficiária da criação do euro, e logo a maior interessada em salvá-lo; não deve comportar-se como vítima inocente dos gastos alheios, já que foi das primeiras a quebrar as regras, e os seus bancos compraram dívida alegremente; deve saber que a crise baixou as suas próprias taxas de juro; que sofrerá muito com a implosão das economias dos seus parceiros; que ainda maior que o perigo da inflação, sempre tão temido pelos alemães, é o perigo de colapso; que "o tamanho e a História" da Alemanha atribuem-lhe uma responsabilidade especial pela manutenção da paz e democracia em todo o continente.

Esta quinta e sexta-feira, em Bruxelas, a Europa terá um Conselho Europeu antológico. "Merkozy", ou seja os líderes alemã e francês, vão procurar impor um novo tratado (o de Lisboa nem para um ano serviu), criar um "núcleo duro" sem os dez países que não usam o euro, antecipar medidas previstas para 2013 e, no fundo, procurar sobreviver. Mesmo sem confiar nestes líderes, só podemos esperar que eles engendrem algo de visionário que nos leve para o caminho certo da encruzilhada de Sikorski. Ou então... as gerações futuras falarão de Dezembro de 2011 como o tempo em que tudo correu horrivelmente mal.

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