terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O último a sair que apague a luz

O duro ano de 2011 aproxima-se do seu final mas ainda não desistiu de nos trazer más notícias. No fim de semana desapareceram dois grandes vultos: a "diva dos pés descalços" Cesária Évora levou consigo uma voz perfeita para cantar mornas, uma simplicidade desarmante e o cachecol do FC Porto com que fez tantos concertos por esse mundo fora; com o antigo presidente checo Vaclav Havel desapareceu um homem corajoso, um grande europeu, um intelectual que se sacrificou pelos seus ideais frente a um sistema totalitário e que ajudou o seu país a fazer uma transição pacífica - "de veludo", chamou-se a sua revolução tranquila - para a democracia e a prosperidade. Tanto um como outro eram grandes amigos de Portugal, Cesária pelas suas raízes, Havel por gostar do país e até ter uma casa de repouso em Olhos d'Água.

Era sobre eles que eu gostaria de ter escrito esta crónica hoje, mas infelizmente tal não é possível. Porque não é possível ignorar a enormidade do que acaba de ser dito, de forma ponderada e não no calor do momento, pelo primeiro-ministro português:

"Angola tem grandes necessidades de mão de obra portuguesa em tecnologias de informação e do conhecimento, e ainda em áreas muito relacionadas com a saúde, com a educação, com a área ambiental, com comunicações. E não só Angola: os nossos professores, querendo ser professores, podem olhar para o mercado da língua portuguesa e encontrar aí alternativas".

Quando há algumas semanas um tal de Alexandre Mestre, um "boy" que é secretário de Estado da Juventude, instou os jovens portugueses a "saírem da sua zona de conforto" (o secretário julga que os jovens portugueses têm os mesmos privilégios de que ele próprio usufruiu) e emigrarem, o espanto foi grande, mas atribuímo-lo aos devaneios de um irresponsável. Só que depois também o seu chefe directo - o ministro Miguel Relvas - foi ao parlamento para anunciar a boa nova por ele descoberta: "a emigração de jovens qualificados pode ser extremamente positiva". E neste domingo, o clímax: o primeiro ministro de Portugal encorajou os seus concidadãos a abandonar o país. A começar pelos mais qualificados, e pelas áreas mais dinâmicas da sociedade - as mesmas onde o país que governa tem mais carências. Ah, e não esquecendo os professores, esses malandros supérfluos numa sociedade tão educada como a portuguesa (os índices de escolarização de adultos estão cinco anos abaixo dos da Alemanha e três dos da Grécia). É o ovo de Colombo da redução da taxa de desemprego: dado que fazer crescer a economia e gerar emprego é difícil, transferem-se os desempregados para outro lado. Problema resolvido, e com o bónus das remessas de emigrantes para mascarar a balança de transacções - tudo enquanto se eliminam consulados e aulas de português no estrangeiro, que é para não correr riscos de criar mais zonas de conforto.

Infelizmente os portugueses, jovens ou não, qualificados ou não, nunca precisaram de quem os encorajasse a abandonar o seu país: ao longo dos séculos a miséria, a guerra colonial, a inveja, a falta de oportunidades, a falta de reconhecimento, a falta de desenvolvimento, de juízo e de vergonha com que Portugal os presenteia sempre fizeram esse trabalho muito bem. Espantoso - e histórico, certamente - é que quem o promova seja o próprio Estado, como se fosse este o primeiro a desistir do desígnio de melhorar as coisas. Ou como se os portugueses que ainda vão restando só estivessem a atrapalhar o "monstro" estatal na sua lógica de automanutenção a todo o custo, numa completa perversão da própria lógica da existência do Estado. Se é assim, tenho uma boa sugestão para slogan eleitoral na próxima campanha: "O último a sair que apague a luz".

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