terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A separação

É impossível não olhar para o que aconteceu à Europa na madrugada de sexta feira como um divórcio. Não no sentido formal do termo – os tribunais e os notários ainda não entraram em acção - mas houve, indubitavelmente, um corte, uma separação entre o Reino Unido e a Europa, e foi mais do que o passar de uma noite no sofá: foi mesmo pôr as malas à porta, e agora cada um segue o seu caminho. Seria curioso se os próprios mapas reflectissem a alteração e alargassem o canal da Mancha pelo menos para o dobro das suas dimensões habituais...

O histórico (um adjectivo que é sobreutilizado, é verdade, mas que se aplica bem neste caso) Conselho Europeu de quinta e sexta feira passadas tinha um objectivo claro e obteve um resultado concreto. O objectivo era o de salvar o euro e, em certa medida, todo o ideal europeu, porque é tudo isto que está em causa. O resultado, não necessariamente relacionado, colocou 26 países de um lado e um de outro - pois obrigou todos os "fence-sitters" a finalmente definirem-se. (Um fence-sitter, como o nome indica, é alguém que procura estar sempre colocado na fronteira entre dois campos diferentes para nunca ser obrigado a tomar decisões e opções que o possam vir a comprometer; uma apropriada descrição de uma grande parte da nossa classe política.) Na Europa, o Reino Unido sempre foi um caso surreal, com um pé dentro e outro fora da União Europeia, e ambos os pés a arrastarem-se de forma a levantarem muita areia e pó para meter na engrenagem.

Nem sempre, obviamente, foi assim. O Reino Unido é uma democracia antiquíssima e as suas atitudes políticas mudam ao longo dos tempos e consoante quem está no poder. Por muito estridentes que sejam os eurocépticos nas franjas direita e esquerda do espectro político, os ingleses - e mais ainda os escoceses ou os galeses, que desconfiam daqueles - sabem que precisam da Europa, que significa 40% de todo o seu comércio e, para dizer o mínimo, lhes empresta voz a nível mundial, mesmo sem entrar em considerações quanto ao garante de paz que significa há mais de meio século. Por tudo isto e muito mais, o pragmatismo sempre regeu as relações britânicas na Europa: a Margaret Tatcher que populisticamente gritou "quero o meu dinheiro de volta", obtendo uma redução da contribuição para o orçamento comunitário por supostamente o Reino Unido não ter agricultura, foi a mesma Tatcher que assinou o Tratado de Maastricht e, alguns anos antes aquando da adesão portuguesa, contribuiu para o alargamento do voto por maioria qualificada a um sem-número de áreas.

Os impostos, no entanto, continuam a requerer unanimidade - logo, conferem direito de veto. Um eventual imposto financeiro sobre os bancos europeus necessitará sempre do voto favorável do Reino Unido; logo, não foi apenas para salvar as obscuras transacções da City que o primeiro-ministro Cameron voltou as costas à Europa, mas também por ideologicamente sentir não ter nada a contribuir para o gigantesco projecto europeu. Seguiu aliás uma máxima bem americana - "if you can't stand the heat, get out of the kitchen".

E agora? O que nos une ainda é maior do que o que nos divide. Muitas separações acabam em reconciliação, e os tempos a seguir à reconciliação são amiúde os mais apaixonados... Ainda não foram escritos os últimos capítulos deste casamento à inglesa.

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