sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O princípio é o fim é o princípio



Em mais do que um sentido, a Europa nasceu no território que é hoje a Grécia. A civilização clássica de Péricles, Sócrates e Platão criou as bases para o mundo ocidental como hoje o conhecemos; a citação de Tucídides que abria o projecto de Constituição para a Europa - "a nossa constituição... é chamada democracia porque o poder está nas mãos não de uma minoria, mas sim da maioria" continua a ser o credo fundamental das nossas sociedades livres. Como qualquer cidadão grego contemporâneo nunca se cansará de nos lembrar, a democracia surgiu entre as elites atenienses - era um sistema em que apenas um punhado de cidadãos abastados, todos homens e detentores de escravos, podiam decidir. Um sistema muito imperfeito, mas que reflectia bem as palavras de Churchill vários milénios depois - "a democracia é o pior sistema de governo, à excepção de todos os outros".

O conceito de ironia é também uma criação do mundo helénico - tem a sua origem no personagem de Eiron, que deliberadamente dissimula a sua inteligência para melhor se sobrepor aos seus adversários, algo que Sócrates incorporou no seu método. Um dos tipos de ironia, a ironia cósmica, é definida pelo insuportável contraste entre os vãos desejos humanos e a dura realidade do mundo exterior. É possível assim que venhamos a assistir à dupla e cósmica ironia das ironias: o berço da Europa arrisca-se a ser também o seu precípicio. No momento em que escrevo estas linhas, o impasse político entre a Grécia e a troika (FMI, Comissão Europeia, BCE) está a provocar tensões indisfarçáveis e declarações inusitadamente duras. "O prazo para responder já acabou", avisa a filha Europa à sua velha mãe helénica. A resposta requerida, já se sabe, é a capitulação a medidas brutais de austeridade, dos quais a redução do salário mínimo em 20% e a eliminação de 150 mil empregos públicos em três anos são apenas para abrir a conversa. Sem isso, os gregos não verão a cor do dinheiro prometido no segundo pacote de ajuda ao país: 130 mil milhões de euros que servirão para manter a cabeça à tona da água, e dos quais 15 mil milhões vão logo para pagar aos credores no dia 20 de Março. Nesse dia, vencem as obrigações que a Grécia tem vendido a investidores, muitos deles particulares, prometendo juros verdadeiramente exorbitantes; nesse dia, sem o empréstimo mundial, a Grécia declarará bancarrota. O arco da governação não se entende e os habitantes, cansados, enredam-se em greves gerais que reclamam algo mais do que austeridade; a possibilidade de o país deixar de cumprir os seus compromissos é real.

Nenhuma economia pode reencontrar o seu equilíbrio levando sucessivos empurrões para baixo, assim como nenhum doente se consegue curar se os remédios o debilitarem ainda mais. De cada vez que a economia grega é atingida, o pagamento da dívida e os reajustamentos tornam-se ainda mais duros. A espiral é mortífera. Sem uma inversão da lógica, será uma questão de tempo até que este membro da zona euro dela saia de forma caótica: a primeira peça de um dominó imprevisível que vai primeiro arrastar vários bancos, depois vários países em situação similar - Portugal sendo o primeiro -, depois a moeda europeia, com ela a imagem de sucesso e solidez que temos a nível mundial, e finalmente as próprias ideias de uma identidade financeira, política e cultural da Europa. É o processo de integração europeia que está em jogo; o risco é que a sua importância só seja percebida por nós, europeus, quando já seja tarde demais para a salvar. É por isso que acredito que a Europa já esteja a pensar em como funcionar sem a Grécia - para esta, ontem já foi tarde demais.

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