quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Por favor não me mordam o pescoço

Roman Polanski é um cineasta pouco convencional. Temperamental, algo tresloucado, o realizador polaco-francês tem uma carreira que mimetiza a sua própria vida pessoal: atribulada, irregular, depressões profundas seguidas por picos altos e vice-versa. Um desses picos altos foi o seu musical-comédia-filme de horror “Por favor não me mordam o pescoço”, de 1967. Uma espécie de paródia e homenagem aos filmes de vampiros, porque é de vampiros que se trata. O título do filme tem-me vindo muitas vezes à memória a propósito dos mais recentes disparates dos nossos actuais homens políticos.

Em rigor, foi o presidente do Parlamento Europeu a abrir as hostilidades da semana. O alemão Martin Schulz acaba de ser eleito para o cargo e, taxativo e opinativo como é, enredou-se num fio de raciocínio mal delineado e ainda pior explicado. Queria Schulz explicar (pelo menos assim alegou mais tarde) que os problemas de Portugal são problemas europeus, e que as soluções devem também ser encontradas na Europa. Em vez disso, pareceu estar a ameaçar o país de irremediável declínio se insistisse em tentar ter opções independentes das suas (como tentar obter investimento vindo de Angola), além de repetir a referência ao “antigo colonialista”. Uma mordidela inesperada esta, até porque imediatamente seguida de uma segunda apontando à mesma veia: dois dias depois, Merkel a Magnificiente decidiu usar a Madeira como exemplo negativo. “Ali, os fundos europeus serviram para fazer túneis e autoestradas muito bonitas, mas não para aumentar a competitividade”. A chanceler alemã equivoca-se várias vezes numa simples afirmação. O investimento da Madeira em infraestruturas, num território insular cuja indústria é naturalmente o turismo, veio realmente aumentar e muito a competitividade da região – a tal ponto que a ilha (graças também às transferências que lhe advêm de regiões mais pobres de Portugal e à sua imoral “zona franca”, é certo) é já uma região mais rica que a média europeia. A Madeira tem isso sim uma alta taxa de execução dos fundos europeus a que teve direito (que são muitos, devido ao estatuto de região ultraperiférica), como é reconhecido pelos relatórios do Tribunal de Contas e pelas instâncias de controlo comunitárias dos fundos, que aliás os atribuem a projectos concretos e têm portanto uma palavra importante a dizer na sua utilização. Finalmente, a crítica leviana e arrogante – que obviamente nunca seria aplicada, digamos por exemplo, à altamente subsidiada e economicamente problemática região da ex-Alemanha de Leste de onde a chanceler é originária – tem consequências directas na imagem exterior da Madeira, na sua atractividade, e como tal na sua capacidade de criar riqueza e sair do buraco financeiro em que se encontra. Uma bela mordidela na jugular.

A dentada final veio de mais perto – do próprio primeiro ministro português, que considera “piegas” aqueles que o elegeram para tão desprestigiado cargo. Infantilizando todo um país, Passos Coelho compara o seu governo aos professores “duros” e os portugueses a uma manada de alunos choramingões que um dia hão-de agradecer os cortes, as reduções, a austeridade, o empobrecimento, e o salvamento de alguns bancos com dinheiros públicos. Obviamente, o primeiro ministro não acredita nos beijinhos no pescoço para dourar a pílula. Mas deve-se sempre ter cuidado com aquilo que se deseja: um dia que os portugueses decidam deixar a pieguice da lamúria e, sem nada mais para perder, vierem queimar as ruas como está a acontecer na Grécia, Passos Coelho há-de olhar para trás e para esta nossa paz podre com nostalgia. Quiçá mesmo com pieguice.

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