quarta-feira, 21 de novembro de 2012

E tudo o vento lembrou


A capa desta semana da revista New York traz uma imagem extraordinária: uma foto da ilha de Manhattan, o núcleo da cidade que nunca dorme, tirada com “vista de pássaro” desde um helicóptero. Com uma arrepiante singularidade: metade da cidade está completamente às escuras.

O foto foi tirada no rescaldo da passagem do furacão Sandy, que inundou centrais eléctricas e cortou cabos, e mostra a parte sul da ilha sem electricidade. Curiosamente, é aqui que fica a zona financeira de Wall Street; o movimento Occupy Wall Street não conseguiu ocupar este verdadeiro governo-sombra do planeta, mas o furacão conseguiu apagá-lo (por um dia). A morte e destruição causadas pelo Sandy tiveram pelo menos um mérito: os ventos ciclónicos empurraram as alterações climáticas para as primeiras páginas dos jornais, local de onde tinham sido arredadas por preocupações mais comezinhas, como a crise ou o desemprego. E o aquecimento global inundou mesmo, repentinamente, a campanha eleitoral renhidíssima entre Obama e Romney – e durante a qual os temas ambientais primaram pela ausência. Tal foi o rasto deixado pelo furacão que, no dia seguinte, o mayor Michael Bloomberg (inicialmente eleito pelo partido Republicano) veio apoiar publicamente o candidato democrata, sublinhando que este, Obama, era o único a “considerar as alterações climáticas um problema urgente que ameaça a nossa existência”. Bloomberg não o fez, mas poderia ter acrescentado que Romney é financiado por milhões e milhões de petrodólares – e por coincidência, o plano energético que propõe consiste em “perfurar, perfurar, perfurar” toda e qualquer terra, incluindo parques naturais e ecossistemas protegidos no Alasca, que possa conter vestígios de petróleo. Ao apresentar este plano, em Agosto, Romney ridicularizou o discurso de tomada de posse de Obama, em 2009, quando o presidente prometeu “parar a subida dos oceanos” e começar a “curar o planeta”.

O drama? Esse discurso de abertura, proferido no primeiro dia da sua presidência, foi também um dos últimos em que o presidente dos EUA, ainda o país mais poluente do planeta (com licença da China, que também chegará a esta posição em pouco tempo), se referiu a temas ambientais nos últimos quatro anos – o que significa que também nesta área a “esperança” simbolizada por Obama desiludiu. Sim, é certo que alguns passos foram dados no sentido de reduzir as emissões de carbono e de mercúrio, mas isso não chega para estancar os oceanos – eles continuam a subir, inexoravelmente, e quatro vezes mais rápido que a média global no caso da costa Leste americana; foi exactamente destes mares inchados que o furacão Sandy se alimentou – e a próxima tempestade, mais fraca mas ainda mortífera, vai repetir a dose dentro de poucos dias.

O consenso científico é esmagador: as alterações climáticas são provocadas por nós, e elas estão a tornar-se, mais do que visíveis, evidentes; fenómenos extremos como furacões e ondas de calor são agora frequentes e cada vez mais fortes. O furacão Irene, que atacou no ano passado, chegou a ser classificado de “sem precedentes”; mas poucos meses depois, o Sandy eclipsou-o. Isto no ano que está a caminho de ser o mais quente de sempre desde que há registos nos EUA.

Mais uma vez, estamos numa encruzilhada – o futuro dirá se a maior de sempre, e se tomámos a opção correcta. Não fazer nada será muito caro (só este furacão custou 40 mil milhões de euros em prejuízos) e provavelmente letal a longo prazo; aumentar a dependência do petróleo, e as emissões que dele provêm, acelerará a nossa autodestruição; combater as emissões poluentes e “curar o planeta” será duro, lento, impopular e também caro, além de incerto. Os eleitores norte-americanos fazem esta semana uma destas escolhas – resta descobrir se disso se apercebem.

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