quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Os Intocáveis

Heinrich Kieber, Hervé Falciani e agora Kostas Vaxevanis. Fixe bem na memória estes nomes, caro leitor, porque estes são os heróis possíveis da sociedade em que hoje vivemos. Nenhum deles salvou donzelas em perigo ou conseguiu grandes proezas atléticas; o seu instrumento não é a capa nem a espada, mas sim o computador; e os seus feitos poderão não ser desinteressados, mas a verdade é que estes homens aparentemente banais não deixaram passar a oportunidade de lutar pelo ideal de Justiça, mesmo arriscando os seus pertences e a sua vida.

A história não se conta em poucas palavras. Kieber e Falciani eram ambos técnicos de informática dentro de bancos, o primeiro no Liechtenstein (o LGT, banco detido pela família “real” do pequeno principado, e que muito naturalmente também está presente no Luxemburgo) e o segundo na Suíça, o HSBC, um dos maiores do globo. Ambos compilaram pacientemente enormes listas com nomes de fugitivos aos impostos, pessoas (e companhias) que depositam em paraísos fiscais com forte segredo bancário enormes somas não declaradas ao fisco. Dinheiro de proveniência e/ou destino sujo.

A “lista Kieber” foi comprada pela Alemanha por 4,2 milhões de euros, e depois usada por vários países europeus para exigirem a alguns proeminentes cidadãos o pagamento dos seus impostos atrasados. Só a própria Alemanha recuperou perto de 300 milhões em impostos devidos, enquanto a Áustria investigou 180 dos seus nacionais. A Espanha calculou perder 16 milhões de euros anuais por não cobrar os impostos desta lista. Portugal... não quis saber quem lá constava. E Kieber, entretanto, correndo risco eminente de vida, desapareceu algures na Austrália em 2008.

A “lista Falciani” é ainda mais bombástica, porque este outro jovem informático, afirmando “não querer nada em troca e apenas estar a agir como cidadão cumpridor”, denunciou nada menos de 80 000 evasores ao fisco provenientes de 180 países diferentes – só franceses eram 8000, e foi a França que geriu o processo; perante insistentes pedidos da furiosa Suíça, a então ministra das Finanças Christine Lagarde copiou os nomes dos possíveis infractores e transmitiu-os a todos os Estados que por eles perguntassem. Nos últimos dois anos, foram recuperados graças a Falciani (que entretanto teve de mudar de vida e identidade, mas ainda assim foi preso em Espanha no passado Julho e pode ser extraditado) nada menos de 10 mil milhões de euros de impostos não pagos – três vezes a redução do défice que Portugal tem de fazer este ano. Mas Portugal, mais uma vez, não quis saber quem eram os seus criminosos fiscais que lá apareciam.
A razão para tanta falta de curiosidade portuguesa é simples: os grandes evasores são pessoas poderosas, bem-relacionadas, amigos ou cônjuges de políticos, colegas de juízes, companheiros de caça de banqueiros; resumindo, pessoas que em países de elites corruptas, como Portugal, estão facilmente acima da lei – agradecendo a complacência de quem se sacrifica para a cumprir. O mesmo acontece na Grécia, onde o governo tudo fez para ignorar a existência da parte grega desta lista para evitar ter de perseguir quem foge aos impostos em grande escala – aparentemente ali o Estado está a nadar em dinheiro. Mas esta semana (e tal seria quase divertido não fosse assustador) o caso provocou finalmente uma prisão: a do editor do jornal que, cumprindo a função da imprensa, divulgou a lista dos grandes evasores do país. Aparentemente, Kostas Vaxevanis esqueceu-se de que nem todos podemos fazer parte da casta dos Intocáveis.

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