terça-feira, 25 de novembro de 2014

Deslealdade


O Luxemburgo saltou para as primeiras páginas do mundo graças às denominadas “LuxLeaks”. A honra é dúbia, mas mais tarde ou mais cedo era previsível que tal acontecesse numa conjuntura de falta de liquidez e contracção do crédito como aquela em que vivemos há vários anos. Os Estados europeus não têm dinheiro nos seus bolsos, logo é apenas natural que se coloquem questões sobre a prosperidade material de um dos seus mais pequenos congéneres.
Sim, essa prosperidade é em parte devida às numerosíssimas multinacionais que têm uma sede social, um pequeno escritório ou uma divisão financeira instaladas no Grão-Ducado o que lhes permite beneficiar de um regime fiscal (muito) mais favorável, mesmo que as actividades e os lucros da empresa não tenham origem no diminuto mercado luxemburguês; sim, esse sistema é legal; sim, o enquadramento teórico sustentado por acordos fiscais propositadamente fracos e impostos à la carte deturpou-se com esquemas progressivamente mais complexos que terminam em “situações onde companhias não estão a pagar impostos ou estão a pagar impostos muito baixos, o que obviamente não é um bom resultado”, como declarou o ministro das Finanças, Pierre Gramegna, ao ser confrontado com os resultados da investigação jornalística. E sim, nada disto era exactamente um segredo bombástico, dado que as práticas do Luxemburgo são conhecidas – mas não combatidas – pelos seus parceiros.
Mas a revelação, publicada simultaneamente por 40 media globais, de 28 000 páginas de acordos secretos entre a administração fiscal luxemburguesa e 343 grandes empresas (apesar de ser apenas uma parte do icebergue – estima-se que pelo menos mais mil empresas também implicadas ainda não apareçam nesta lista) sublinha o óbvio: não estamos a falar de um caso de concorrência fiscal legítima, mas sim de deturpações desleais. Nas palavras de uma deputada europeia liberal, “não é o mercado, é a selva”. Uma selva muito pouco transparente.
O Luxemburgo é apenas um elo do problema. Só na Europa, os Países Baixos, o Reino Unido, a Suíça, Malta, todos têm regras que mimetizam as do Grão-Ducado; a Irlanda faz dumping fiscal com uma baixíssima taxa de IRC (de 12,5%). O combate por um sistema mais justo está por começar, o que levanta uma questão incómoda: porquê? Talvez não interesse aos nossos líderes políticos. Mas algo, ainda que tímido, terá de ser feito – e é mais do que uma ironia que essa tarefa recaia agora nas mãos de Juncker, sendo ele um dos grandes arquitectos do sistema luxemburguês.
É claro que a harmonização fiscal crescente, o reporting entre Estados de lucros internacionais, a imposição de uma base comum para o imposto e uma luta acrescida contra a fraude, bom como medidas repressivas como considerar a optimização fiscal como subvenções disfarçadas às empresas, equilibrariam o terreno de jogo e fariam que as grandes empresas começassem finalmente a contribuir de forma justa para as comunidades a quem (e isso não falha) vendem milhões de tablets ou móveis aos pedaços.

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