terça-feira, 25 de novembro de 2014

Repressão

Nebraska, 1920. Um dos Estados mais retrógrados dos EUA acaba de aprovar uma lei que proíbe o uso no ensino de línguas “estrangeiras”. A repressiva lei é especialmente dirigida contra a língua alemã (bem como todos os seus dialectos, incluindo aqueles da zona do Mosela…), dado que a língua de Goethe é também a língua dos países derrotados na carnificina da Grande Guerra.
O professor primário Robert Meyer dá aulas numa escola na pequena cidade de Hampton. Numa bela manhã de Maio, o Ministério Público irrompe pela (única) sala de aula e vê Meyer em pleno acto de ensinar alemão ao pequeno Raymond, 10 anos de idade, usando o único livro ao seu dispor: a Bíblia. O tribunal do Nebraska não se deixa comover. O professor é considerado culpado e obrigado a pagar 250 euros de multa.
O caso Meyer vs. Nebraska chegou ao Supremo Tribunal, onde o professor naturalmente ganhou. Os juízes invocaram as emendas à Constituição dos EUA que garantem a liberdade de expressão e o direito a um processo justo e clarificaram: “as liberdades constitucionais não são meramente físicas mas também as de adquirir conhecimentos (…) de acordo com a sua consciência. Saber falar e utilizar alemão não pode ser considerado perigoso, pelo contrário, é útil e desejável. O direito do queixoso a ensinar e o direito dos pais a utilizá-lo para instruir os seus filhos está dentro das liberdades concedidas pela Constituição. A Constituição protege todos os cidadãos, não apenas os nascidos com o inglês como língua materna. Talvez fosse útil que todos compreendêssemos a mesma língua, mas tal não pode ser forçado com métodos que vão contra a lei fundamental”.
É óbvio que tudo isto não só se aplica muito bem, como ridiculariza a prática – que todos sabemos ser recorrente no Luxemburgo – de proibir as crianças de utilizarem o português, sua língua materna, em contexto escolar ou pré-escolar. Mais chocante ainda, a prática é sancionada informalmente pela ministra da Educação, ou seja, pelo Estado. E ainda mais revoltante, se possível, é que as escolas não se limitam a proibir, também punem. O conceito já conhecemos: para o Estado é preciso promover, impingir, impor, salvar o luxemburguês. Porque esta língua, apesar de só existir há uma geração, já está em perigo de extinção – e são os jovens imigrantes portugueses quem a pode salvar no futuro. Logo, humilha-se a língua portuguesa, fazendo-a passar por motivo de vergonha, algo reprimido, envergonhado, subalterno, próprio de empregados de biscates e trabalhos clandestinos. Já vimos tantas vezes este filme…
E o mais curioso é que nada disto faz sentido. Para ter acesso a um formidável acervo de conhecimento, uma cultura milenar e um mercado de 220 milhões de pessoas, para maximizar a suas possibilidades futuras de emprego num mundo global com a quarta língua mais usada na internet, as crianças – sejam elas portuguesas, luxemburguesas ou albanesas – farão sempre uma escolha mais inteligente em aperfeiçoar o português do que uma língua marginal e em risco de desaparecimento. Talvez o Ministério da Educação devesse abandonar o seu estado de negação, e encorajar a língua de Camões em vez de a reprimir.

Sem comentários:

Enviar um comentário