Nebraska, 1920. Um dos Estados mais retrógrados dos EUA
acaba de aprovar uma lei que proíbe o uso no ensino de línguas “estrangeiras”.
A repressiva lei é especialmente dirigida contra a língua alemã (bem como todos
os seus dialectos, incluindo aqueles da zona do Mosela…), dado que a língua de
Goethe é também a língua dos países derrotados na carnificina da Grande Guerra.
O professor primário Robert Meyer dá aulas numa escola na
pequena cidade de Hampton. Numa bela manhã de Maio, o Ministério Público
irrompe pela (única) sala de aula e vê Meyer em pleno acto de ensinar alemão ao
pequeno Raymond, 10 anos de idade, usando o único livro ao seu dispor: a
Bíblia. O tribunal do Nebraska não se deixa comover. O professor é considerado
culpado e obrigado a pagar 250 euros de multa.
O caso Meyer vs. Nebraska chegou ao Supremo Tribunal,
onde o professor naturalmente ganhou. Os juízes invocaram as emendas à
Constituição dos EUA que garantem a liberdade de expressão e o direito a um
processo justo e clarificaram: “as liberdades constitucionais não são meramente
físicas mas também as de adquirir conhecimentos (…) de acordo com a sua
consciência. Saber falar e utilizar alemão não pode ser considerado perigoso,
pelo contrário, é útil e desejável. O direito do queixoso a ensinar e o direito
dos pais a utilizá-lo para instruir os seus filhos está dentro das liberdades concedidas
pela Constituição. A Constituição protege todos os cidadãos, não apenas os
nascidos com o inglês como língua materna. Talvez fosse útil que todos
compreendêssemos a mesma língua, mas tal não pode ser forçado com métodos que
vão contra a lei fundamental”.
É óbvio que tudo isto não só se aplica muito bem, como
ridiculariza a prática – que todos sabemos ser recorrente no Luxemburgo – de
proibir as crianças de utilizarem o português, sua língua materna, em contexto
escolar ou pré-escolar. Mais chocante ainda, a prática é sancionada
informalmente pela ministra da Educação, ou seja, pelo Estado. E ainda mais
revoltante, se possível, é que as escolas não se limitam a proibir, também
punem. O conceito já conhecemos: para o Estado é preciso promover, impingir,
impor, salvar o luxemburguês. Porque esta língua, apesar de só existir há uma
geração, já está em perigo de extinção – e são os jovens imigrantes portugueses
quem a pode salvar no futuro. Logo, humilha-se a língua portuguesa, fazendo-a
passar por motivo de vergonha, algo reprimido, envergonhado, subalterno,
próprio de empregados de biscates e trabalhos clandestinos. Já vimos tantas
vezes este filme…
E o mais curioso é que nada disto faz sentido.
Para ter acesso a um formidável acervo de conhecimento, uma cultura milenar e
um mercado de 220 milhões de pessoas, para maximizar a suas possibilidades
futuras de emprego num mundo global com a quarta língua mais usada na internet,
as crianças – sejam elas portuguesas, luxemburguesas ou albanesas – farão sempre
uma escolha mais inteligente em aperfeiçoar o português do que uma língua
marginal e em risco de desaparecimento. Talvez o Ministério da Educação devesse
abandonar o seu estado de negação, e encorajar a língua de Camões em vez de a
reprimir.
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