quinta-feira, 10 de março de 2011

Estado-avó, já não somos crianças

No preciso momento em que começo a escrever estas linhas, chegar a Portugal de carro torna-se ainda mais difícil: por iniciativa do governo de Espanha, este país baixa hoje o limite máximo de velocidade nas autoestradas para 110 km/h. Segundo o ministro da Indústria, Miguel Sebástian, esta medida justifica-se “para reduzir o nosso consumo de combustível em 15% para a gasolina e 11% para o diesel”. O ídolo espanhol da F1, Fernando Alonso, foi rápido a insurgir-se contra a medida, garantindo que “a 110 km/h adormece ao volante”, e o ministro ripostou de forma provocatória, convocando uma conferência de imprensa para dizer que “nos três países europeus que produzem petróleo, Reino Unido, Noruega e Rússia, o limite é de 110, e Hamilton [rival de Alonso nas pistas] é inglês e não adormece ao volante”.

Por onde começar a demolir tão demagógica medida? O facto dos países produtores de petróleo terem limites de velocidade tão baixos já de si demonstra que o seu impacto no consumo é negligenciável – afinal, eles têm todo o interesse em maximizar o gasto de petróleo, ao qual devem grande parte da sua prosperidade... Na verdade, é bem possível que, a ser cumprido pela generalidade dos condutores, o novo limite mais baixo leve a um *aumento* do combustível consumido pelos veículos. E isto porque uma condução “em comboio”, com mais carros viajando perto uns dos outros todos a velocidades parecidas, levará forçosamente a mais travagens e acelerações – exactamente os dois factores que mais influência exercem sobre os consumos. Para não falar, claro, na acrescida possibilidade de congestionamentos, sobretudo em autoestradas “urbanas”.

A peregrina ideia nem é eficaz nem original; logo em 1973, na sequência do primeiro choque petrolífero, as autoridades federais dos EUA decidiram impôr um limite máximo de 90 km/h em todos os Estados, que antes tinham limites variando entre os 105 e os 121 km/h. Acreditava-se que a medida fosse poupar uns meros 2,2% de combustível (e estamos a falar de motores americanos dos anos 70, infinitamente menos eficientes que os motores europeus e japoneses actuais). Mas na verdade, a própria administração admitiu que a lei apenas permitiu poupar 1% de combustível – e estudos independentes situam essa marca em, no máximo, 0,5%. O limite federal de 90 foi finalmente levantado em 1995, e maioria dos Estados voltou então a subir o limite para 105 km/h. Resultado: o número de acidentes *decresceu* entre 3 e 5%... talvez o problema da concentração ao volante, referido por Alonso, mereça reflexão.

Um governo que fosse sério na sua intenção de reduzir o consumo poderia, por exemplo, legislar no sentido de encorajar a adopção de pneus de baixa resistência ao atrito – estes reduzem em 25% o esforço necessário para manter o movimento do carro. Mas reduzir ainda mais os limites de velocidade, quando os carros, as estradas, a sinalização e os próprios condutores são cada vez melhores, apenas contribui para esses limites sejam percebidos como uma espécie de piada elaborada que não é para ser cumprida. Todos nós, se tratados como responsáveis, reagimos responsavelmente; se nos tratam como crianças, agiremos como crianças, e certamente as multas por excesso de velocidade vão-se multiplicar. Ah, acabamos de chegar à verdadeira razão da nova lei espanhola.

1 comentário:

  1. Caro Hugo, infelizmente, vemos o mesmo acontecer aqui no Brasil. Onde temos a Petrobras, umas das maiores petroliferas do mundo... Concordo na redução da velocidade onde não exista condições para condução. Agora, temos rodovias onde certamente poderiamos transitar muito acima das velocidades aplicadas atualmente. Assim me faz parecer que as pessoas que estão no topo dos governos, se diferem apenas pelo sexo, mãe e endereço!
    Fabio Borrs - Brasil

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