terça-feira, 7 de junho de 2011

Fecha parêntesis

Todas as eleições são uma festa, mas esta edição de 2011 foi tão chocha que parecia que o DJ contratado só passava fados. Sem uma única verdadeira surpresa, o processo cumpriu bem as suas funções: tendo sido encontrado o responsável pelas desgraças portuguesas nos últimos anos, José Sócrates, restava imolá-lo na fogueira pública - um "despedimento" em massa pelo eleitorado que serve como processo de catarse colectiva. O ex-primeiro-ministro, o mesmo que tinha sido tão pouco convincente noutros grandes papéis dramáticos (o de homem providencial, garante da estabilidade ou déspota esclarecido, para dar alguns exemplos), esteve desta feita - há que reconhecê-lo - impecável ao seguir o guião que previa, em clímax, a oferenda da sua cabeça como troféu. Enredado no seu labirinto pessoal, para o qual também arrastou um governo que chegou a ter vontade de melhorar as coisas, não apenas se candidatou (o que diminuiu desde logo as hipóteses de vitória do PS) como também encenou o seu desaparecimento algo humilhante logo na mesma noite em que conduziu o seu partido ao pior resultado dos últimos 20 anos. O mesmo partido que o tinha reconduzido há poucas semanas como secretário-geral (com 93% dos votos...) e que não obstante soltou um bem audível suspiro de alívio na noite da sua demissão.

O processo eleitoral também serviu para carimbar a alternância democrática que encontrou, quase que por acaso, Pedro Passos Coelho no lugar certo e momento certo. O novo primeiro-ministro precisa agora de provar que é também o homem certo; uma incógnita num político de carreira que não suscitou grande entusiasmo nem mesmo entre as suas hostes. Supõe-se que os governantes primeiro demonstram qualidades, dimensão e ambição para finalmente serem eleitos como tal, mas Passos Coelho inverte a lógica: ele terá de rise to the occasion, ascender à altura da oportunidade que detém e do capital de confiança que lhe foi concedido. O desafio é duríssimo, sobretudo para quem andou a prometer "mudança": sabendo sempre que, entre abstenção recorde, brancos e nulos, e votos nos partidos rivais, só dois em cada dez portugueses com idade de votar o fizeram no seu PSD, o novo PM precisa de recuperar a (fortemente abalada) confiança do eleitorado na política, a crença das pessoas num futuro mais desejável, a legitimidade dos sonhos e da motivação dos que ainda os têm. Precisa de gerir uma coligação com o CDS, liderado por um político instável e sem conhecimentos de economia; precisa de ultrapassar, rápida e visivelmente, a sua própria inexperiência, tão evidente até agora. E tudo isto enquanto aplica um programa de governo desenhado pelo FMI que, entre algumas medidas óbvias e que já estavam atrasadas ontem (como a privatização da RTP, por exemplo), vai na sua sanha da mítica "austeridade" fazer encolher a economia, tornando mais enfermo o doente que se quer salvar. Está a acontecer na Grécia, hoje.

Ainda que com menos cartazes, as eleições foram também diversão. Abriu-se um parêntesis na crise durante a campanha, e nesta, admiravelmente, ninguém foi sincero sobre os tempos difíceis que vão começar (ou já começaram) em Portugal. O programa de governo já estava decidido de antemão e assinado pela troika, o voto de domingo apenas plebiscitava quem o ia aplicar. Fecha parêntesis.

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