terça-feira, 14 de junho de 2011

Desculpe, quer trabalhar até mais tarde?

O dossier eleições em Portugal está encerrado, mas algumas pequenas ondas de choque ainda reverberam a partir do seu epicentro. Passos Coelho faz um contra-relógio para conseguir ter um governo pronto a usar no dia 23 - mas isto virá três longos meses após a demissão do anterior, o que é demasiado... O PS tenta decidir quem o vai liderar na sua travessia do deserto. Um dirigente do CDS avisou ao mundo que "os militantes do seu partido devem agora ser recompensados com cargos políticos". Ana Gomes, do PS, fez declarações tão explosivas sobre Paulo Portas que das duas uma, ou sabe o que está a dizer e tem razão, ou a política acaba de descer mais um patamar de dignidade. E o recorde histórico da abstenção, registado precisamente numas eleições vendidas como "as mais cruciais de sempre" (o que não é verdade, dado que o argumento dos próximos anos já estava escrito de antemão) trouxe a habitual ladaínha do "desencanto dos cidadãos com a política" e da necessidade de mais democracia directa.

Que os referendos estão na ordem do dia é inegável. E utilizados de forma sensata, eles podem completar na perfeição a democracia representativa ao devolver a palavra aos cidadãos em questões cruciais da sua vida e do seu futuro. Só que a tentação de os usar como arma de manipulação e arremesso é grande, até porque habitualmente isso resulta: na maior parte das vezes, os eleitores votam exactamente ao contrário daquilo que o governo em funções pretende. Mais do que coincidência, trata-se de castigo. Aconteceu em Portugal nos anos 90, com o "não" à regionalização (um voto que o país mais centralista da Europa Ocidental continua aliás a pagar bem caro). Aconteceu em Malta no mês passado: em referendo e contra as indicações do primeiro-ministro, os malteses aprovaram a possibilidade de divórcio, que ali era ilegal (deixando assim às Filipinas o curioso título de único país do mundo onde os casais não se podem divorciar). Em Itália aconteceu ontem: quatro perguntas em referendo, e a todas os italianos responderam com um rotundo "não!" ao desejado por Berlusconi (este, em mais um inédito, aconselhou os eleitores a irem à praia em vez de votar). Nomeadamente, a intenção do libertino primeiro-ministro italiano de reactivar as centrais nucleares do país foi rejeitada com 95% de votos, o que é de saudar em nome da segurança europeia e das energias renováveis.

Mas os melhores exemplos de desvirtuamento da opção referendária vêm da pequena Eslovénia. Neste país, convocar um referendo é relativamente simples: uma minoria de 30 deputados pode fazê-lo - e 40000 assinaturas de cidadãos também. Resultado: só nos últimos 12 meses os eslovenos foram chamados às urnas para dar o seu veredicto sobre cinco questões que poderiam ter sido decididas pelo parlamento - e em cada uma delas votaram ao contrário daquilo que o governo pedia. O caso mais burlesco aconteceu na semana passada com a formulação da questão "Concorda com a subida da idade mínima de reforma para os 65 anos?" - ou seja, a verdadeira pergunta feita aos cidadãos era: "Deseja trabalhar sem contrapartidas por mais 4 anos da sua vida, ou prefere que sejam as gerações futuras a arcar com o seu sustento enquanto inactivo?" Agora adivinhe o leitor qual foi o resultado deste referendo.

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