terça-feira, 7 de junho de 2011

Porta do Sol ou caixa de Pandora?

Maria S., 33 anos: "Se me tivessem dito há apenas alguns meses que milhares de pessoas sairiam à rua para se insurgirem contra o nosso sistema político, eu nunca acreditaria, porque parecia que fazíamos parte de uma geração apática que era incapaz de responder a uma crise, mesmo enquanto ela destruía os nossos empregos como um tsunami". Maria é espanhola, de Madrid, e está acampada na Porta do Sol (não um parque de campismo, mas sim a praça madrilena que era uma das entradas medievais na cidade e estava virada a leste, para o sol nascente). O protesto começou a 15 de Maio, e ganhou o cognome de 15-M.

A história repete-se sempre, dizia Hegel. O filósofo Santayana, que curiosamente também nasceu em Madrid, aperfeiçoou-o: "aqueles que não recordam o passado estão condenados a repeti-lo". E realmente não há na Porta do Sol qualquer referência àquele outro Maio, em 1968, quando as ruas de Paris eclodiram num rastilho aceso pelos estudantes que, contra as estruturas do sistema de poder (governo gaullista, comunistas e sindicatos estavam todos do mesmo lado, o da "situação"), sacudiram a sociedade francesa e fizeram cair o governo. Aquela revolução foi falhada na política (as eleições de Junho de 1968 reforçaram a maioria gaullista) mas não o foi nas cultura, nos comportamentos sociais ou na imaginação dos seus slogans.

Há muitas diferenças. Maio de 1968 foi um paradoxo: a economia estava óptima - a Europa Ocidental vivia o apogeu dos Trinta Gloriosos, três décadas de prosperidade crescente e contínua que se seguiram ao final da guerra (e que Portugal tristemente falhou devido à inépcia do regime salazarista). A contestação fez-se, sim, contra todas as formas de autoridade ("É proibido proibir", diziam os graffiti), contra um sistema de consumismo desenfreado, contra o imobilismo e favoritismo das gerações mais velhas ("Sê jovem e CALA-TE", glosava um cartaz com o velho De Gaulle a amordaçar um adolescente).

O 15-M, como a "Geração à Rasca" de 12 de Março em Portugal, ou como tantos outros que despontarão numa contestação social generalizada, são antes que tudo sintomas de uma doença económica. Ali cabem os não empregados, e os mal empregados, e os bem empregados mas mal viventes, os estudiosos e os contestatários. Insistem não ter filiação partidária e recomendam a abstenção ou o voto em branco. Todos são subprodutos dos dois milhões de empregos espanhóis destruídos desde o início da crise - e do brutal aumento de impostos necessário para a pagar - mas também querem o fim da corrupção na política, o corte das despesas militares, a abolição do nuclear, a revogação das leis anti-pirataria digital. A Porta do Sol abriu-se qual caixa de Pandora, e depois de abertas nunca mais é possível voltar a lá encerrar os novos ventos que sopram. Quem melhor souber interpretá-los politicamente vai dominar os próximos anos na Europa.

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