quarta-feira, 6 de julho de 2011

És tu a dar

Too little, too late. É possível que tudo não passe de uma ideia demasiado tímida que aparece demasiado tarde; mas esta semana um punhado de líderes europeus, alguns deles “eminências pardas” fora do activo, apresentou uma espécie de manifesto keynesiano que afirma que estamos a fazer tudo errado se queremos realmente ultrapassar a crise europeia (e vamos partir do princípio que queremos, sem esquecer que essa crise não afecta toda a Europa).

A proposta – e vamos arrumar já com a questão dos seus signatários: junta os ex-presidentes portugueses Mário Soares e Jorge Sampaio ao espanhol Baron Crespo, francês Michel Rocard, britânico Stuart Holland, italiano Amato, belga Guy Verhofstadt, neerlandês Pronk e polaco Saryusz-Wolski, uma lista de personalidades que sem ser impressionante reúne algum respeito – inspira-se directamente nas ideias de Delors e Juncker, mas sobretudo no “New Deal” que permitiu reimpulsionar a economia americana e ultrapassar a Grande Depressão iniciada em 1929, período histórico que tantas semelhanças tem com o actual. Em 1933, a taxa de desemprego nos Estados Unidos era de 25%, a produção industrial tinha perdido um terço do seu valor, e no dia em que Roosevelt tomou posse, não havia um único banco (dos que sobreviveram à crise) que permitisse aos cidadãos terem acesso ao seu dinheiro lá depositado.

“New Deal” significa uma nova distribuição das cartas – em português, algo como “já baralhei e cortei, agora és tu a dar para novo jogo”. Keynes, o seminal economista, e Roosevelt, o extraordinário político, passaram quatro anos a criticar o que o governo americano estava a fazer para debelar a crise – e que basicamente passava por querer “eliminar as maçãs podres” da economia, e equilibrar os défices a todo a custo através de “curas de austeridade” que tornavam muito mais difícil o pagamento das dívidas. Ao tomar posse em 1933, Roosevelt concentrou-se nos “3 Rs” (Alívio dos desempregados, Recuperação da economia e Reforma do sistema financeiro para impedir uma nova crise) e implantou uma série de programas económicos de investimento e de incentivos de diversa índole – tudo financiado pela emissão de obrigações do tesouro norte-americano, ou seja, a venda de títulos da dívida do país. Em 1936, três anos mais tarde, a economia dos EUA estava de volta aos trilhos e de volta aos níveis de 1929.

O que o novo manifesto europeu propõe, no fundo, é a emissão de obrigações do tesouro pan-europeias em vez das estafadas obrigações nacionais – por exemplo, Portugal tem que oferecer um juro cada vez mais alto para conseguir vender as suas. Cada país poderia transferir até 60% da sua dívida para as largas costas da União Europeia, que poderia gerir as obrigações sem as comercializar – ficando assim imune aos efeitos das agências de rating. O modelo até já existe – é o seguido pelo Banco Europeu de Investimentos há 50 anos – e pode basear-se em outros pontos fortes da Europa: por exemplo, a União Europeia não está endividada. O seu nível de empréstimos, inferior a 1%, representa um décimo da dívida contraída pelos EUA de Roosevelt, que financiaram a sua saída da crise em situação bem mais alarmante.

Mas claro, o problema é de outra índole. Van Rompuy não é Roosevelt e Barroso não é Keynes. Os nossos líderes não eleitos preferem novas rondas de “austeridade” – não como solução, mas como fim em si mesma.

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