quinta-feira, 21 de julho de 2011

Sob escuta

O joelho do princípezinho estava em mau estado. O príncipe William tinha um problema no tendão de Aquiles, e estas “importantes” notícias (nada melhor que umas aspas para compor a ironia) apareceram chapadas na primeira página do News of the World, o pasquim especializado em “furos” sobre alterações no peso ou amantes (ou alterações no peso dos amantes) das celebridades da TV – e talvez por isso mesmo o jornal com maior circulação ao domingo, uns simpáticos sete milhões de pessoas. Pequeno senão: a bombástica notícia tinha sido obtida à custa de piratear o principesco telemóvel, e a rainha de Inglaterra queixou-se à polícia.

Isto passou-se em 2005. A polícia limitou-se então a prender dois jornalistas do tablóide e abafou assim o que toda a gente estrategicamente colocada no meio – jornalístico, político ou da justiça – sabia perfeitamente: havia escutas ilegais. E elas aproveitavam ao império de um homem tão sinistro como poderoso, Rupert Murdoch, o magnata da imprensa que extirpou a mesma de valores éticos, e também o Gepeto que tantos Pinóquios políticos usa como fantoches para as suas pantomimas ultraconservadoras. O conluio de interesses cruzados entre políticos vindos do nada e fabricados pelos media, os mesmos media que depois recebem compensações políticas (Murdoch preparava-se agora para receber autorização do parlamento para abocanhar a mais lucrativa plataforma televisiva britânica), tudo perante o olhar complacente de uma polícia que recebe dinheiro para passar as suas descobertas confidenciais aos jornais, podia continuar alegremente. Por exemplo no ano passado o campeão eleito pelos jornais de Murdoch, David Cameron, chegou a primeiro-ministro e logo escolheu para porta-voz do governo o antigo director do News of the World, Andy Coulson.

Em princípio esta história terminaria aqui. Só que um homem corajoso, Nick Davies, recusou-se a virar a cara e encolher os ombros. Ele continuou a investigar, e tal como no caso Watergate teve a sua “garganta funda” (uma fonte bem informada e anónima) que lhe foi revelando quão fundo estava tocado todo o sistema. Numa festa, Davies perguntou a um comissário da polícia: “há oito pessoas que acham estarem a ser escutadas, mas quantas é que existem realmente?” “Oh, milhares!” foi a jovial resposta. A lista de um dos jornalistas inicialmente presos continha quase 4000 números de pessoas “mediáticas”. Um deles era o de uma rapariga de liceu que estava desaparecida – e tinha sido assassinada. O jornal apagou as mensagens no seu correio de voz para que ele não ficasse cheio, o que teve o efeito de dar esperanças aos pais de encontrar a sua filha com vida. Nem assim, no entanto, o News of the World ganhou vergonha; foi preciso que os anunciantes começassem a cancelar em massa os contratos com o jornal para que este, abrupta e finalmente, decidisse fechar portas na semana passada.

Se Murdoch e os seus esbirros, juntamente com a execrável imprensa tablóide, perderem influência na nossa sociedade, o mundo só pode tornar-se um lugar melhor: tal é o efeito bom do escândalo. O efeito mau, esse, é provocado por mais uma revelação do nível de podridão avançada a que chegou o sistema sociopolítico em que vivemos, que até tácticas famigeradas pela PIDE – tais como escutas ilegais – permite: o nosso nível de cinismo desencantado torna-se ainda mais empedernido.

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