quinta-feira, 21 de julho de 2011

Visto desde a grande cidade

Sempre que estou no Luxemburgo a conversa flui naturalmente para as comparações entre a pequena capital do grão-ducado e a sua irmã mais velha, Bruxelas, onde também passo muito tempo. As duas cidades partilham muito - desde algum passado histórico até ao clima cinzento - e no entanto essas comparações são habitualmente feitas numa perspectiva "o meu Mercedes é maior que o teu" (título de um magnífico livro de 1975 escrito pelo nigeriano Nkem Nwankwo). Rivalidade, portanto.

Como é hábito, muita dessa competição advém do desconhecimento mútuo. 200 km de autoestrada percorrem-se em 1h45m (quase o dobro, optando pela ridícula ligação ferroviária), mas de certa forma, bruxelenses e luxemburgueses vivem de costas voltadas: poucos são aqueles que visitam a outra cidade regularmente, ainda menos os que confessam gostar ou - mais difícil ainda - admitir viver na "rival". Bruxelas olha para baixo com condescência, até paternalismo; reserva ao Luxemburgo o tratamento que damos a um primo da aldeia que nunca estudou mas subiu na vida, sendo uma espécie de novo-rico. Os habitantes da "capital da Europa" compadecem-se genuinamente com o deserto cultural e o ritmo pachorrento da "vila" luxemburguesa.

E esta, por seu lado, olha para cima horrorizada e apostada em não cometer os mesmos erros da sua irmã mais velha durante um processo de crescimento que até nem deseja verdadeiramente copiar. O Luxemburgo detesta as ousadias arquitectónicas da capital belga, não suporta a sujidade das suas ruas ou metro, e teme os seus quarteirões mais duvidosos, onde se partem os vidros aos carros. Acossado, o habitante luxemburguês atira rapidamente aquele que considera o argumento definitivo: "Sim, Bruxelas até pode ser isto e aquilo, mas o Luxemburgo é muito melhor para as crianças!" E claro, o grão-ducado sente-se também algo desconfortável perante a grande variedade de tons de pele e tipos de vestuário da grande cidade; não por acaso o Luxemburgo sempre insistiu em acolher imigração cordata, europeia, católica, de tez pálida e roupas escuras, cuja comida não tenha odor nem sabor (os portugueses cumprem todos estes critérios menos o último).

É pena. Olhar para a parte vazia do copo apenas levanta obstáculos aos intercâmbios e ao crescimento, que não é um jogo de soma nula - todos temos a ganhar com mais ligações entre estes dois pólos de desenvolvimento. Para começar, é importante abater os lugares-comuns e as ideias feitas. Bruxelas, a segunda cidade mais verde da Europa em área verde por habitante, é uma óptima cidade para as crianças. Muitas zonas são tão seguras quanto o Luxemburgo, há verdadeiras jóias arquitectónicas por toda a parte, e o sistema de transportes, não sendo estético, é rápido e relativamente eficiente. Da mesma forma, não é verdade que o Luxemburgo seja uma pequena aldeia: a cena cultural não pára de crescer, já há uma pequena "movida" nocturna, a diversidade do país começa a ser um pouco mais visível - até mesmo na política!

Convém reter que ambas as cidades oferecem alguma da mais alta qualidade de vida do mundo. Depois, no fim de todas as contas, o mais importante são sempre as pessoas que nos rodeiam...

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