terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Não há magia no nacionalismo magiar

Eleger 68% dos deputados ao parlamento não é para qualquer um, sobretudo nas diversificadas democracias europeias. Mas foi exactamente esse o resultado obtido pelo partido húngaro Fidesz nas últimas eleições do país, em 2010; cansados por oito anos de governação socialista marcada por um recrudescimento da corrupção e uma centralização do país em torno da sua capital, os eleitores húngaros viraram-se para a oposição conservadora liderada pelo populista Viktor Orban. Regressado ao poder, este último iniciou então aquilo a que chamou um programa de "reformas radicais" para o qual estaria mandatado pelo esmagador voto popular. Foi o ponto de partida para um estilo assim caracterizado pela sátira política: "o primeiro-ministro Orban tem uma ideia na quarta, o vice transmite-a aos deputados na quinta, o parlamento aprova na sexta e na segunda a lei entra em vigor". Justamente cantavam os Mão Morta que "as noites de Budapeste são noites de rock'n'roll"; este ritmo é mesmo estonteante.

No início de 2011, a Hungria iniciou o seu período de seis meses sob os holofotes (ao presidir ao Conselho da UE) de uma forma estranhíssima, procurando justificar uma então recente lei da imprensa que (tendo como objectivo mal disfarçado silenciar vozes críticas para com o governo em funções) conseguiu a proeza de ultrajar os parceiros europeus, sempre reticentes a envolver-se em controvérsias diplomáticas. A lei, entretanto, fez as suas vítimas: uma rádio liberal perdeu a sua licença para uma outra que promete "menos palavras e mais música húngara", e vários jornais mudaram subitamente de rumo editorial. O governo, entretanto, foi comprando outras guerras e envolveu-se em disputas de desagradável cariz étnico com a Eslováquia e outros países vizinhos, reacendendo velhas questões territoriais herdadas dos terríveis conflitos do século XX europeu.

Um a um, o sistema de pesos e contrapesos que caracteriza uma democracia europeia vai caindo na Hungria. O governo preenche todos os lugares que pode com fiéis detentores de um cartãozinho do partido: assim aconteceu no poder judiciário, no banco central, no tribunal de contas ou na alta autoridade para os media, na maioria das vezes com mandatos de 9 a 12 anos que excedem largamente aquele conferido pelas eleições (4 anos). Vários analistas falam numa crescente "putinização" da Hungria, o que se por um lado não deixa de ser irónico considerando que o Fidesz (partido de inspiração nacionalista) não perde uma oportunidade para agitar o papão do imperialismo russo, por outro é também injusto: Budapeste começou 2012 vendo uma manifestação maciça - uma centena de milhar de pessoas - e apesar da magnitude do protesto e da sensibilidade do que o despoletou (a entrada em vigor da nova Constituição do país, criada e votada exclusivamente pelos obedientes deputados do Fidesz) ninguém ficou ferido, ninguém foi preso ou censurado; a televisão estatal ainda procurou distorcer a realidade enviando o seu repórter para uma rua onde só havia alguns polícias e nenhum manifestante, mas perante o escândalo criado, o canal veio pedir desculpas pela "falta de profissionalismo".

Entretanto, a economia não pára de se deteriorar - a moeda húngara nunca esteve tão baixa, a dívida externa (gigantesca) acaba de valer aos títulos do país a notação de "lixo", o desemprego já está nos 11%. E depois de revoltar "a rua", a deriva autoritária da Hungria começa também a irritar as altas esferas. A tentativa de controlar politicamente o banco central, contrária aos tratados europeus, foi a gota de água, atraindo críticas públicas da Comissão Europeia, do FMI e dos Estados Unidos. Não é cedo para tudo isto; a Hungria está no coração da Europa, e a Europa é fundada com base na Democracia (aqui inventada). Abandonando os nossos princípios basilares, aproximamo-nos rapidamente do abismo.

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