terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A primeira década é a mais difícil

Parabéns, euro! A moeda europeia faz dez anos, mas pouca gente apareceu à festa – numa lamentável demonstração da ingratidão humana. A 1 de Janeiro de 2002, a Pont-Neuf de Paris iluminou-se com as cores azuis e douradas da União Europeia, enquanto em Frankfurt fogo de artifício marcava o momento em que os europeus começaram a poder tocar o seu novo dinheiro (em rigor, 2002 marca apenas o início da existência física do euro, que teve o seu verdadeiro nascimento três anos antes, em 1999). Hoje, em 2012, nem sequer Bruxelas tem preparada uma cerimónia para o seu rebento com uma década; o ambiente reinante no continente é tão negativo que celebrações de qualquer espécie parecem verdadeiro anátema.

O euro tem, basicamente, dois problemas existenciais a ultrapassar – e não é este ano que o vai fazer, dado que até agora uma década não chegou para tal. Um é o facto de ter nascido incompleto; o outro é a proeza de mesmo assim constituir um adversário formidavelmente perigoso – e como tal ter granjeado inimigos poderosos. A criação da moeda única amputada dos mecanismos essenciais ao seu funcionamento, como uma união fiscal e política ou mecanismos de solidariedade entre os seus participantes, já foi sobejamente discutida (inclusive na altura). Mas o facto de o euro ser agora a segunda moeda de referência a nível mundial, com cerca de 25% das reservas conhecidas, e fazer sombra ao poderio do dólar – poderio esse que permite aos Estados Unidos financiarem a sua dívida galopante às taxas mais baixas do mercado – não é perdoado pela "sombra", a elite não eleita que põe e dispõe sobre a economia mundial. Os grandes meios de comunicação global anglo-saxónica, por exemplo, simplesmente abafam o lado positivo (que casualmente é também o mais importante) da história: esta década assistiu à criação de uma nova moeda que a) é forte; b) é estável; c) alçou as populações para um novo patamar de prosperidade (sobretudo aquelas que vinham de uma moeda fraca, como o escudo - quantos portugueses viajavam para o estrangeiro antes de 2002?); d) é reconhecida e adoptada globalmente; e) é essencialmente popular, pois eliminou taxas de câmbio e barreiras, contribui para um mercado único, simboliza a paz e a integração do projecto europeu. Nenhuma sondagem mostra uma maioria de pessoas que gostariam de voltar às moedas nacionais, mas não é essa a impressão com que ficamos lendo os títulos da imprensa internacional, a mesma que faz caixa de ressonância da palavra "crise" a um ritmo enjoativo. Nem sequer o mantra colectivo de "o euro fez tudo ficar mais caro" resiste a uma análise um pouco mais séria: se isso foi verdade em relação a produtos de reduzido valor facial (como o café ou a fruta), para muitos produtos de preço mais alto aconteceu o inverso, equilibrando o cabaz de compras. E dado que na última década a inflação acumulada foi de 26,5%, algo que custasse 1o contos custaria de qualquer forma hoje em média 12650 escudos (ou 63 euros, e não 50).

E Portugal? A possibilidade de voltar ao escudo, essa magnífica moeda das "desvalorizações competitivas", é real e está em cima da mesa. O escudo, relembremos, foi criado em 1910 e quatro anos depois já só valia 5% da paridade inicial com a libra esterlina; a tradição manteve-se e as desvalorizações de 1979 e 1983 (esta imposta pela primeira visita do FMI) tornaram os portugueses sempre mais pobres, mas ajudaram o país a compor as suas contas e sair da crise. O preço a pagar agora, no entanto, seria muito elevado: incapazes de competir de outra forma que não pelo preço, a uma desvalorização inicial (calculada em 30%) seguir-se-iam inevitavelmente outras, condenando o país à irrelevância e autarcia que tão bem conhecemos de outras épocas.

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