terça-feira, 23 de outubro de 2012

47%


Derrotar nas urnas um presidente americano em exercício não é tarefa fácil (só Bill Clinton o conseguiu nos últimos 30 anos), sendo importante que quem o tenta não cometa erros. Pois bem, o desafiante deste ano (faltam 7 semanas para as eleições nos EUA) parece ter cometido o seu momento “Lehman Brothers” – ou seja a escorregadela, aquela declaração patética que faz o candidato perder os favores do eleitorado e, com eles, as suas últimas hipóteses de vitória.

A gaffe do desafiante Romney foi surpreendentemente longa, a tal ponto que chega a ser doloroso ver todo o seu discurso proferido durante um jantar de angariação de fundos (e divulgado por, estranha coincidência esta, um neto desempregado do ex-presidente Jimmy Carter). O candidato republicano queixou-se de quase metade do país e prometeu esquecê-los, algo bizarro para quem deseja ser presidente. “47% dos americanos”, divagou Romney, “vão sempre votar por Obama, porque são pessoas dependentes do governo, que pensam serem vítimas, que pensam merecer cuidados de saúde, comida, alojamento, tudo o que imaginarem... estas são pessoas que não pagam impostos sobre o rendimento”. E culminou: “Não devo preocupar-me com essas pessoas, porque nunca as vou conseguir convencer a pegarem nas suas vidas e votarem em mim”.

Vejamos: Romney, na sua tentativa de se tornar um dos homens mais poderosos do mundo, procurou estereotipar quase metade dos americanos afirmando que estes a) votarão sempre em Obama b) recebem algum tipo de subsídio e c) não pagam impostos sobre o rendimento. Pessoalmente, o que considero mais extraordinário nestas declarações é que... elas são parcialmente correctas. Esquecendo o tom insultuoso que o candidato utilizou, é de facto provável que 49% dos americanos recebam algum tipo de ajuda federal – aqui inclui-se sobretudo assistência médica e segurança social, mas também senhas de alimentação (para 16% dos lares do país); nestas contas, a percentagem equivalente no Luxemburgo seria de 100%. Em seguida, é também verdade que Obama tem obtido percentagens constantes de 47% nas intenções de voto. E finalmente, por estranho que isso soe aos ouvidos dos europeus, há 46% de americanos que pagam 0 (zero) de imposto sobre o rendimento (as razões para tal são várias: as taxas de imposto são menos elevadas do que na Europa, e existem vários motivos para deduções, introduzidas no direito fiscal por ambos os partidos – desde baixos rendimentos a idade avançada, passando por investimentos em educação; além de que existem outros tipos de impostos aplicáveis). Não se pense que todos estes americanos que fogem legalmente aos impostos são pobres: no topo da pirâmide estão mesmo 4000 famílias com rendimentos de mais de um milhão por ano.

A grande manipulação consiste em apresentar estes três grupos como apenas um só, já que eles são radicalmente distintos: a maior parte do grupo que não paga impostos, por exemplo, tende a votar republicano – e portanto, bem ao contrário de estarem fora do alcance da confusa mensagem de Romney, constituem na verdade a sua base de apoio eleitoral. Isto para além, claro, dos grandes contribuintes para a sua campanha, empresas financeiras deliciadas com a mensagem de reduzir os impostos para os mais ricos e cortar também na despesa do Estado onde ele é mais necessário – nomeadamente, nos programas de saúde.

O que realmente atira o candidato republicano contra as cordas do ringue eleitoral, no entanto, é o desprezo óbvio que ele sente por tantos dos seus compatriotas. Isso, ou a hipocrisia de criticar os impostos alheios sendo alguém que, do alto de uma das maiores fortunas do planeta, pagou 14,1% de impostos em 2011.

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