terça-feira, 23 de outubro de 2012

Queremos Paz

“Queremos Paz” é a faixa de abertura da “Revancha del Tango”, o conhecidíssimo álbum dos Gotan Project, e inclui excertos de um célebre discurso do “Che” Guevara em Nova Iorque perante as Nações Unidas: “Queremos paz... queremos construir uma vida melhor para o nosso povo”. Guevara não encontrou a sua paz, e poucos são os aspectos em que o tal povo (cubano) vive hoje melhor que em 1964. Mas ao mesmo tempo, noutra parte do mundo, antigos inimigos ainda com feridas bem recentes davam passos de gigante no seu utópico projecto: a partilha voluntária de soberania e de recursos entre países de forma a tornar todos mais fortes. Naquela altura, a antiga Comunidade Económica Europeia preparava-se para derrubar as barreiras alfandegárias entre os seus seis membros originais. Em paz, sem estardalhaço, começavam a cair as fronteiras que retalham o continente e que, apenas alguns anos antes, tinham sido razão de guerra, morte e ruína extremas.

A União Europeia, esse projecto aparentemente utópico – e quão belas são as maiores utopias – de que todos nós, 500 milhões de europeus, somos parte integrante e continuamos a construir (de forma díspar e incoerente, por vezes...), merece absolutamente ser recompensada com o prémio Nobel da Paz que acaba de conquistar, e merece-o por razões passadas, presentes e futuras. O passado é esmagador, já que a grande conquista da UE é precisamente o maior período de paz consecutivo da História europeia: de 1945 até hoje - 67 anos -, nunca é demais relembrá-lo. Mas é também o “poder suave” com uma enorme influência para apaziguar conflitos pelo mundo e estabilizar países em perigo promovendo a boa governação, desde o Kosovo ao Sudão, desde Timor ao Médio Oriente. Esta é a região que encontra nos seus bolsos mais dinheiro para a ajuda ao desenvolvimento (53 mil milhões de euros em 2011, ou seja, 56% do total mundial, contra 20% dos EUA e ainda menos do Japão ou da China) e para a juda humanitária de emergência para catástrofes.


Um Nobel da Paz é uma esplêndida vitamina para o futuro de uma UE que, enredada nas suas contradições e confusa pela sua trágica ausência de líderes minimamente competentes, vive um presente angustiado e algo descrente. Exactamente por isso esta recompensa é a escolha certa no momento adequado: é verdade que tem uma componente congratulatória pela qual podemos e devemos estar orgulhosos, mas devemos sobretudo vê-lo como uma dourada sirene de alerta. Aquilo que conquistámos e o local onde queremos chegar, juntos, no maior espaço mundial de prosperidade, bem-estar e justiça estão seriamente ameaçados pelas loucuras, incompetência e/ou corrupção de uma infinidade de pequenos caciques locais ou nacionais. Que a Europa saiba meter a sexta velocidade, fazer uma fuga para a frente e coordenar-se para ser a solução do problema, em vez de ver a sua credibilidade caluniada pelas vistas curtas do homem da rua e dos ministros das Finanças que se escondem atrás das costas largas de Bruxelas; é este também o verdadeiro significado daquele estatueta que nos será entregue, a nós cidadãos europeus, em Oslo. Todos sabemos quão bom pode ser viver neste continente de excepção, e queremos as nossas vidas de volta. Queremos paz.

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