
Gauck usou de uma
pedagogia desarmante, e começou por constatar o que de tão óbvio é totalmente
esquecido – nunca existiu tanta “Europa” como agora, mesmo mergulhados como
estamos numa crise existencial (e material). Sim, a Europa vê-se hoje
frequentemente reduzida aos problemas do euro; sim, há fúria nas ruas pela
ameaça constante aos nossos empregos e ao nosso modo de vida; sim, há
frustração pelas decisões distantes tomadas em Bruxelas por instituições
opacas. Gauck concede que temos dúvidas sobre como continuar a nossa viagem,
inseguros como estamos em relação a todo o edifício europeu devido a algumas
brechas nas suas paredes. Mas sem se deter, o presidente alemão inicia uma
descrição apaixonada da gesta comunitária, permitindo-se fazer uma cronologia
do pós-guerra, do idealismo inicial baseado no projecto de paz (e no seu grito
de “nunca mais!”) e chegando ao presente, quando Gauck interpela os estudantes
que o ouvem: “a vossa primeira mesada foi em euros, vão aprender a falar duas
línguas estrangeiras, podem receber uma bolsa para fazer Erasmus, aprendem lado
a lado com outros europeus – e também se divertem juntos, em festivais de
música ou nas nossas vibrantes cidades. Nenhuma outra geração pôde tanto
afirmar-se como europeia”.
Mas a identidade
europeia não é simples. Nunca houve um melting
pot ao nível do continente, não veneramos a bandeira azul com estrelas
douradas na escola ou no exército, não torcemos (ainda) pela selecção europeia
de futebol. Não encontramos sobretudo o venerando Mito Fundador, uma narrativa
comum tal como uma batalha contra um inimigo externo (as nossas guerras
frequentes foram sempre fratricidas), ou uma revolução à escala continental. Não
há apenas uma identidade europeia, e no entanto...
... ela move-se. Temos um conjunto inabalável de valores comuns pelos quais
lutámos ao longo dos séculos e que exportamos para todo o mundo: a paz, a
liberdade, o primado da lei, a igualdade, os direitos humanos, a solidariedade.
Não são palavras ocas: estão no nosso ADN. E tal como Gauck, muitos sonham e eu
também que esses são e serão os alicerces da nossa casa comum.
Na grande capital
que é Berlim, no palácio de Bellevue, mora um homem de visão. Para a Europa,
essa descoberta foi a melhor notícia da semana.
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