Um orçamento não
é apenas um documento coberto de números que vão permitir que, durante o
próximo ano, os serviços de uma organização tenham verbas para funcionar; é
também um instrumento poderoso, tanto a nível económico como filosófico – no
sentido em que é também a definição de opções políticas, e a materialização de
uma vontade, de uma visão de longo prazo. “Uma União Europeia ambiciosa deve
dispor de um orçamento ambicioso”, lançou o actual presidente do Parlamento
Europeu, Martin Schulz, aos 27 líderes de governo europeus reunidos em Bruxelas
com a amarga missão de discutir o orçamento europeu para os próximos sete anos.
Ninguém lhe deu
ouvidos. Ou pelo contrário, todos lhe deram razão, ainda que de forma
enviezada: o orçamento europeu não é ambicioso, simplesmente porque a Europa
também não o é. E tal ficou – outra vez, mais uma vez, ainda uma vez – mais que
evidente na semana passada após novas ronda de amargas negociações concluídas
tarde pela madrugada. No final, de novo a conhecida ópera bufa dos pequenos
quintais nacionais, com cada um dos políticos a regressar a casa anunciando, de
forma mais ou menos entusiasta, “consegui um magnífico acordo para ...”
(inserir país da União Europeia). Separadamente, é suposto acreditarmos que
todos ganharam (algo impossível sabendo que se trata de um jogo de soma nula,
onde um ganho de um lado deve ser compensado do outro). Na verdade, juntos,
todos perderam, como perdeu a Europa reduzida a uma mera soma de pequenos
egoísmos nacionalistas que se degladiam sobre migalhas, enquanto o pão vai
perdendo alguma da cor.
A Europa
prisioneira da mesquinhez, de joelhos perante o populismo. Quando os tempos
difíceis pediriam gestos ousados, reafirmadores, que nos fizessem acreditar na
visão de futuro, que nos dessem a confiança de sentir estarmos em boas mãos e
que há um plano para nos levar a bom porto, tudo a que temos direito é a
cortes, reduções e limites apresentados como grandes vitórias negociais.
Vitórias serão, é certo, mas só para quem tenha outros objectivos, como por
exemplo o primeiro-ministro britânico: a sua obsessão por reduzir o orçamento
comunitário é puramente simbólica – os montantes em questão são, a este nível,
irrisórios, e a contribuição britânica vai mesmo... aumentar (devido à evolução
dos pagamentos a agricultores e à diminuição das ajudas às regiões mais pobres
dos países mais ricos) – mas o golpe numa moral já de si minada é, ainda assim,
de efeito. Apregoa-se uma redução quantitativa de 3% das verbas disponíveis,
mas nem uma palavra sobre a qualidade dos gastos – e assim se perde mais uma
oportunidade dourada para “reformar a UE”, que continuará a canalizar a parte
de leão das suas despesas (38%) para agricultores, sobretudo franceses e
neerlandeses. A agricultura representa em valor apenas 2% da economia europeia;
bem mais necessários seriam estímulos ao crescimento – em áreas como I&D,
educação, infraestruturas ou emprego. Estas rubricas obtêm aumentos pontuais,
mas insignificantes.
Parte do problema
é que a Europa não tem quem a defenda. À força de escolher para os mais altos
cargos políticos que usam o pragmatismo como substituto para as convicções e a
próxima eleição no lugar da visão de optimizar o bem comum, chegamos a um ponto
em que ninguém tem a coragem de dizer “não, não é por aí que queremos ir”.
Podemos e devemos fazer mais e melhor – devêmo-lo a nós próprios, e a uma
economia europeia que (ainda) é a maior do mundo –, mas continuamos reféns da
demagogia estridente do mínimo denominador comum.
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