quarta-feira, 13 de março de 2013

Da mesquinhez

Um orçamento não é apenas um documento coberto de números que vão permitir que, durante o próximo ano, os serviços de uma organização tenham verbas para funcionar; é também um instrumento poderoso, tanto a nível económico como filosófico – no sentido em que é também a definição de opções políticas, e a materialização de uma vontade, de uma visão de longo prazo. “Uma União Europeia ambiciosa deve dispor de um orçamento ambicioso”, lançou o actual presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, aos 27 líderes de governo europeus reunidos em Bruxelas com a amarga missão de discutir o orçamento europeu para os próximos sete anos.

Ninguém lhe deu ouvidos. Ou pelo contrário, todos lhe deram razão, ainda que de forma enviezada: o orçamento europeu não é ambicioso, simplesmente porque a Europa também não o é. E tal ficou – outra vez, mais uma vez, ainda uma vez – mais que evidente na semana passada após novas ronda de amargas negociações concluídas tarde pela madrugada. No final, de novo a conhecida ópera bufa dos pequenos quintais nacionais, com cada um dos políticos a regressar a casa anunciando, de forma mais ou menos entusiasta, “consegui um magnífico acordo para ...” (inserir país da União Europeia). Separadamente, é suposto acreditarmos que todos ganharam (algo impossível sabendo que se trata de um jogo de soma nula, onde um ganho de um lado deve ser compensado do outro). Na verdade, juntos, todos perderam, como perdeu a Europa reduzida a uma mera soma de pequenos egoísmos nacionalistas que se degladiam sobre migalhas, enquanto o pão vai perdendo alguma da cor.

A Europa prisioneira da mesquinhez, de joelhos perante o populismo. Quando os tempos difíceis pediriam gestos ousados, reafirmadores, que nos fizessem acreditar na visão de futuro, que nos dessem a confiança de sentir estarmos em boas mãos e que há um plano para nos levar a bom porto, tudo a que temos direito é a cortes, reduções e limites apresentados como grandes vitórias negociais. Vitórias serão, é certo, mas só para quem tenha outros objectivos, como por exemplo o primeiro-ministro britânico: a sua obsessão por reduzir o orçamento comunitário é puramente simbólica – os montantes em questão são, a este nível, irrisórios, e a contribuição britânica vai mesmo... aumentar (devido à evolução dos pagamentos a agricultores e à diminuição das ajudas às regiões mais pobres dos países mais ricos) – mas o golpe numa moral já de si minada é, ainda assim, de efeito. Apregoa-se uma redução quantitativa de 3% das verbas disponíveis, mas nem uma palavra sobre a qualidade dos gastos – e assim se perde mais uma oportunidade dourada para “reformar a UE”, que continuará a canalizar a parte de leão das suas despesas (38%) para agricultores, sobretudo franceses e neerlandeses. A agricultura representa em valor apenas 2% da economia europeia; bem mais necessários seriam estímulos ao crescimento – em áreas como I&D, educação, infraestruturas ou emprego. Estas rubricas obtêm aumentos pontuais, mas insignificantes.

Parte do problema é que a Europa não tem quem a defenda. À força de escolher para os mais altos cargos políticos que usam o pragmatismo como substituto para as convicções e a próxima eleição no lugar da visão de optimizar o bem comum, chegamos a um ponto em que ninguém tem a coragem de dizer “não, não é por aí que queremos ir”. Podemos e devemos fazer mais e melhor – devêmo-lo a nós próprios, e a uma economia europeia que (ainda) é a maior do mundo –, mas continuamos reféns da demagogia estridente do mínimo denominador comum.

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