Até há alguns
anos atrás, os Conselhos Europeus eram verdadeiras cimeiras de geometria
variável onde os grupos de interesses formados entre diferentes países mudavam
consoante o assunto em questão, havia um peso especial para “o motor
franco-alemão” que no fundo propulsionava a Europa, e os objectivos
comunitários eram mais que palavras vãs para encher declarações vazias de
conteúdo.
Tudo isso mudou
em relativamente pouco tempo. Hoje, o que importa realmente é saber o que pensa
a chanceler Merkel (e a sua clique) sobre determinado assunto, pois essa será a
solução adoptada. O motor franco-alemão gripou, enredado na pouca fiabilidade
do pistão francês, e metade dos membros da União sentem-se cada vez mais
desconfortáveis por ver um clube solidário ser substituído por outro em que um
membro distribui “diktats” a seu bel-prazer.
Apesar da
resistência – visível nas ruas de Atenas e na opinião escrita publicada um pouco
por toda a União – é evidente que a Europa está rendida à liderança alemã, e
que esta cada vez tem mais dificuldade em disfarçar que por trás da preocupação
pelo saneamento das finanças de vários países está na realidade uma luta pelo
poder puro e duro. A Alemanha actual está decidida a aproveitar as
vulnerabilidades alheias para decidir, com crescente prepotência, pelos seus
antigos parceiros, agora transformados em subalternos incómodos (e amiúde
ridicularizados em programas de tv ou conversas de café). A versão revista e
actualizada do “A Alemanha acima de
todos” (a parte do hino do país que deixou de ser utilizada a partir de
1945) foi a opção tomada pela chanceler Merkel no verão de 2011, quando o seu
assessor para os assuntos europeus lhe apresentou um relatório que basicamente
constatava o impronunciável: todos os assuntos que caem na esfera de
competências da União Europeia, e são regidos por Bruxelas ou Frankfurt,
funcionam relativamente bem; enquanto que aquilo que é regido a nível dos
diferentes Estados-membros, como a política económica ou a supervisão bancária,
estão em total desarranjo. Logo, seria lógico aumentar os poderes da UE. Mas
Merkel ignorou o aviso, e ao invés ressuscitou a Europa das Nações – o que
levou o seu histórico antecessor Helmut Kohl, ainda por cima membro do mesmo
partido, a exclamar angustiado “Ela está a destruir a minha Europa!”. Outro
antigo chanceler, o social-democrata Helmut Schmidt, do alto da autoridade de
quem viveu a II Guerra Mundial, acrescentou recentemente: “Merkel comporta-se
como o centro da Europa, para crescente exaspero dos nossos vizinhos e
parceiros, e ajudando a criar uma visão nacionalista dentro da Alemanha”.
O
grande problema de tudo isto? É que esta liderança alemã não é eticamente
defensável, não é ideologicamente desejável, e não é competente. Não é ética
porque é arrogante (o ministro das Finanças, Schäuble, afirma que os outros
europeus têm é “inveja” da Alemanha) e porque nunca admitiu retirar, como
retira, grandes benefícios da “crise” (10 mil milhões de euros poupados em
juros só no ano passado, por exemplo); tem uma ideologia dogmática de
austeridade contra-cíclica que agrava a recessão transformando-a em depressão;
e definitivamente não é competente – se os últimos cinco anos de crise agravada
não fossem suficientes para o atestar, a tremenda, desnecessária e altamente
destrutiva confusão à volta de Chipre retira toda e qualquer margem de dúvida.
A Europa não está em boas mãos. Mas ainda vai a tempo de arrepiar caminho.
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