terça-feira, 16 de abril de 2013

A rainha alemã vai nua

Até há alguns anos atrás, os Conselhos Europeus eram verdadeiras cimeiras de geometria variável onde os grupos de interesses formados entre diferentes países mudavam consoante o assunto em questão, havia um peso especial para “o motor franco-alemão” que no fundo propulsionava a Europa, e os objectivos comunitários eram mais que palavras vãs para encher declarações vazias de conteúdo.

Tudo isso mudou em relativamente pouco tempo. Hoje, o que importa realmente é saber o que pensa a chanceler Merkel (e a sua clique) sobre determinado assunto, pois essa será a solução adoptada. O motor franco-alemão gripou, enredado na pouca fiabilidade do pistão francês, e metade dos membros da União sentem-se cada vez mais desconfortáveis por ver um clube solidário ser substituído por outro em que um membro distribui “diktats” a seu bel-prazer.

Apesar da resistência – visível nas ruas de Atenas e na opinião escrita publicada um pouco por toda a União – é evidente que a Europa está rendida à liderança alemã, e que esta cada vez tem mais dificuldade em disfarçar que por trás da preocupação pelo saneamento das finanças de vários países está na realidade uma luta pelo poder puro e duro. A Alemanha actual está decidida a aproveitar as vulnerabilidades alheias para decidir, com crescente prepotência, pelos seus antigos parceiros, agora transformados em subalternos incómodos (e amiúde ridicularizados em programas de tv ou conversas de café). A versão revista e actualizada do “A Alemanha acima de todos” (a parte do hino do país que deixou de ser utilizada a partir de 1945) foi a opção tomada pela chanceler Merkel no verão de 2011, quando o seu assessor para os assuntos europeus lhe apresentou um relatório que basicamente constatava o impronunciável: todos os assuntos que caem na esfera de competências da União Europeia, e são regidos por Bruxelas ou Frankfurt, funcionam relativamente bem; enquanto que aquilo que é regido a nível dos diferentes Estados-membros, como a política económica ou a supervisão bancária, estão em total desarranjo. Logo, seria lógico aumentar os poderes da UE. Mas Merkel ignorou o aviso, e ao invés ressuscitou a Europa das Nações – o que levou o seu histórico antecessor Helmut Kohl, ainda por cima membro do mesmo partido, a exclamar angustiado “Ela está a destruir a minha Europa!”. Outro antigo chanceler, o social-democrata Helmut Schmidt, do alto da autoridade de quem viveu a II Guerra Mundial, acrescentou recentemente: “Merkel comporta-se como o centro da Europa, para crescente exaspero dos nossos vizinhos e parceiros, e ajudando a criar uma visão nacionalista dentro da Alemanha”.

O grande problema de tudo isto? É que esta liderança alemã não é eticamente defensável, não é ideologicamente desejável, e não é competente. Não é ética porque é arrogante (o ministro das Finanças, Schäuble, afirma que os outros europeus têm é “inveja” da Alemanha) e porque nunca admitiu retirar, como retira, grandes benefícios da “crise” (10 mil milhões de euros poupados em juros só no ano passado, por exemplo); tem uma ideologia dogmática de austeridade contra-cíclica que agrava a recessão transformando-a em depressão; e definitivamente não é competente – se os últimos cinco anos de crise agravada não fossem suficientes para o atestar, a tremenda, desnecessária e altamente destrutiva confusão à volta de Chipre retira toda e qualquer margem de dúvida. A Europa não está em boas mãos. Mas ainda vai a tempo de arrepiar caminho.

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