terça-feira, 16 de abril de 2013

Por quem os sinos dobram

A mediática morte de uma pessoa no Reino Unido, ocorrida nestes últimos dias, afectou-me e fez-me reflectir. É um produto directo dos tempos perigosos em que vivemos.

O homem que deixou de ter amanhã chamava-se Lee Halpin e tinha 26 anos. Era jornalista, não um daqueles aburguesados que sentados à sua secretária defendem interesses ocultos e inconfessáveis – uma subespécie em franca proliferação entre a classe –, mas sim um jovem idealista que estava a começar e queria criar um impacto, fazer a diferença, melhorar o mundo. Tal foi-lhe fatal, e isso também é chocante.

Lee, locutor de rádio e criador de uma publicação dedicada às artes na sua cidade do Norte de Inglaterra, queria fazer jornalismo de investigação. Para isso candidatou-se a uma vaga no Channel 4 que pedia, entre outras coisas, uma demonstração de “jornalismo sem medos”. E Lee tinha um projecto corajoso: fazer uma reportagem sobre os sem-abrigo de Newcastle tornando- se um deles. Por uma semana, o rapaz de bom coração oriundo de uma família da classe média viveria nas ruas, sem dinheiro nem comida, vagueando sem destino certo, metendo-se na pele de um sem-abrigo. Há uma semana, enviou a sua candidatura ao Channel 4, pediu emprestado um telemóvel antigo e um saco-cama, gravou um vídeo a agradecer o apoio da família e dos amigos, e saiu de casa.

Só durou três dias. Na quarta de manhã, o seu corpo sem vida, enregelado, foi encontrado num prédio entaipado de uma zona problemática da cidade. Nessa noite, durante uma das semanas mais frias do ano, o termómetro tinha atingido os -4 ºC; por outro lado, foram presos dois dealers como suspeitos do possível crime. (Ainda) não sabemos o que se passou, mas o resultado é inelutável: uma morte estúpida. E existe nela uma macabra ligação com outro falecimento recente de um súbdito britânico, a antiga primeira-ministra Margaret Thatcher.

Thatcher teve um efeito arrasador na arquitectura económica do Reino Unido e, graças à aliança ideológica com o então presidente americano Reagan, também na do mundo inteiro. A “Revolução Conservadora” personificada pelos dois estadistas criou de certa forma o mundo ocidental em que vivemos hoje, esse mundo que colapsa: em 1987 na “segunda-feira negra”, no verão de 2008 com violência, e todos os dias, pouco a pouco, à nossa volta.

O legado de Thatcher é pesadíssimo; apesar de a propaganda oficial o tentar esconder, o desempenho económico do Reino Unido durante os anos do seu reinado classifica-se entre o sofrível (com crescimento económico pouco significativo e muitos anos recessivos) e o desastroso, com uma explosão do desemprego (que passou de um milhão para mais de três milhões de pessoas) e uma descida radical do investimento público. A acompanhar tudo isto, a destruição de fileiras industriais inteiras, compensadas com a aposta nos serviços financeiros, atirou para a decadência partes inteiras do país em benefício de Londres. Entre as zonas mais afectadas está Newcastle: a antigamente orgulhosa cidade nortenha nunca se reergueu. Hoje, com o agravar da crise no país liderado por David Cameron – um “filho espiritual” de Thatcher – o número de sem-abrigo na cidade disparou em 31% só no último inverno, com tendência para piorar. Era para esse fenómeno que Lee Halpin queria chamar a sua atenção com a sua reportagem sem medo. Acabou por fazê-lo, da pior maneira possível.

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