terça-feira, 16 de abril de 2013

Desigualdade

“Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a era da sabedoria, foi a era da ignorância, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a temporada da Luz, foi a temporada das Trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero, tudo estava diante de nós, nada estava diante de nós, íamos todos directos para o Paraíso, íamos todos directos no outro sentido, era um período tão parecido com o presente...”.

Poucos livros em toda a Literatura mundial terão um início tão conhecido como “História de Duas Cidades”, escrito no longínquo ano de 1859; mesmo muitas pessoas que não conhecem o título do livro, ou nunca leram Dickens, reconhecem com um frémito as seminais linhas de abertura do romance – e isso é ainda mais verdade no caso da versão original inglesa: “It was the best of times, it was the worst of times...”.

O livro é um clássico intemporal – apesar de decorrer durante a Revolução Francesa, que continua a ser “um período tão parecido com o presente”, pela sua dualidade quase esquizofrénica, pela radicalidade e incerteza dos tempos em que vivemos. Tempos desiguais, de facto. E a desigualdade transporta as sementes e colhe as espigas das crises que provoca.

Nos Estados Unidos, de 2009 a 2011 – os anos da grande crise e também do início da recuperação, já que os EUA não seguem à risca a receita suicida da austeridade – os rendimentos médios nominais de 99% da população desceram. Mas os rendimentos dos 1% que já tinham os maiores rendimentos aumentaram em 11,4%, um pouco em linha com os lucros das grandes corporações americanas e o maior índice da bolsa da Nova York, ambos actualmente nos seus máximos históricos. Como também o está a taxa de desemprego, que teima em não descer – o que terá certamente algo a ver com a facto de não haver muitas empresas a contratar.

Há um ano, a OCDE apresentou um relatório curioso: “Divididos nos mantemos”. Aí se apresentava um quadro absolutamente negro do aumento da desigualdade, em duas décadas, em todo o mundo considerado desenvolvido (honrosa excepção feita ao Brasil), e como isso estava a criar problemas em todas as sociedades. Voltemos aos EUA: a desigualdade de rendimentos entre americanos só em 1928 tinha sido tão alta como em 2007. Ou seja, precisamente os dois anos anteriores às duas maiores crises financeiras da civilização moderna.

Saltemos para Portugal, a terra da desigualdade. O país da OCDE onde os indicadores de desequilíbrio (entre a pequena percentagem que mais rendimentos obtém e a maioria silenciosa que se sente mais e mais cercada) são dos mais elevados, logo abaixo da Turquia, do Chile e do México. E dos EUA, cuja forma de organização da sociedade copiamos, pelo menos nos aspectos mais nefastos. Como na redução sem limites dos custos do trabalho ou de políticas económicas redistributivas.

Estas constatações não se tratam de um ataque a quem mais ganha, só que a desigualdade queima: destrói a confiança, as liberdades, a prosperidade da sociedade. E também nos vai corrompendo moralmente, até que a indignação por um mundo cada vez menos bom se reduza a um espasmo envergonhado.

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