Uma colecção de
livros didáticos de capa amarela procura tornar acessíveis ao comum dos mortais
conceitos ou aparelhos complicados explicando-os de uma forma simplificada –
uma grande qualidade. A colecção já leva mais de 1800 títulos publicados em
inglês (onde se chama “For dummies”) e outras línguas, como francês (“Pour les
nuls”) ou português (“Para totós”). Nesta última, aconselho vivamente o “Excel
2010 para Totós”: se alguns decisores públicos o tivessem lido, o mundo poderia
ser hoje um lugar melhor para se viver.
Parece ficção
ridícula, mas é a nossa realidade: em 2010, dois economistas americanos (Reinhart
e Rogoff) publicaram um estudo intitulado “Crescimento em tempo de dívida”.
Estudando os dados históricos de 44 países, os economistas analisaram a relação
entre a dívida pública e o crescimento económico e chegaram a uma bombástica
conclusão: se o Estado estiver razoavelmente alavancado, o crescimento médio do
país a cada ano anda entre os 3 e os 4%. Mas se a dívida pública atingir ou
ultrapassar o aparentemente fatídico nível de 90% do PIB, a economia estagna, e
o crescimento médio é apenas de 0,1%. A alta dívida pública provoca a recessão.
Num mundo em que
os bons e velhos modelos económicos parecem desadequados e inúteis (e apenas
parecem, porque na realidade têm previsto e explicado muito bem as agruras por
que passamos, apenas seria necessário saber ler...), uma análise pouco
convencional, com um resultado extremo e que tão bem aproveita os ventos
uivantes da austeridade cega só poderia estar destinada ao sucesso mediático.
Nos últimos três anos, o tal papelzinho foi citado como justificação por todos
os arautos do neoclassicismo económico no poder: de Schäuble a Rehn, de Osborne
a Ryan, de Gaspar a Carlos Costa... ou se preferirem, o BCE, a Comissão
Europeia, o FMI, os governos inglês, alemão, neerlandês, português, o Banco de
Portugal, etc., todos juntos, em uníssono, a clamar pelos cortes e pela
austeridade redentora, porque “Reinhart e Rogoff provaram que se devermos mais
de 90% não crescemos”.
Na semana
passada, o estudo foi desacreditado, mais, foi demolido por outros economistas
(da Universidade de Massachusetts) que lhe apontaram três erros fatais:
primeiro, os dados apontam naturalmente para uma conclusão invertida, já que é
a recessão (que provoca menor receita e maior despesa ao Estado) que provoca o
aumento da dívida, e não o contrário; segundo, não tinham sido
inexplicavelmente incluídos países com altos crescimento e dívida (que contrariavam
portanto a conclusão que se desejava atingir); e em terceiro – quase como o
toque final de tragicomédia – os dois economistas tinham-se enganado ao inserir
os dados na folha de cálculo Excel e excluíram vários países do resultado final.
A austeridade europeia,
filha de mentes brilhantes que não conseguem criar uma folha Excel correcta,
vai fazendo o seu caminho; entre políticos demagogos a soldo de banqueiros
criminosos que se escondem atrás de economistas incompententes, não pode ser
uma enorme surpresa constatar que hoje, mais de cinco anos depois do explodir
da crise, estamos pior em quase todos os aspectos, e sem luz ao fundo do túnel.
Ou talvez haja uma: a maré está finalmente a mudar, agora que já não é possível
esconder o falhanço estrondoso da “receita única”. Atenção agora aos
cata-ventos que, de galhardos defensores dos cortes e do torniquete, vão de
repente só falar em “crescimento” e “incentivo”. O português que preside à
Comissão Europeia deu hoje o tiro de partida ao fazer um fraco e velado mea culpa.
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