Estamos ainda nas primeiras horas de rescaldo após os atentados terroristas na maratona de Boston. Ainda não sabemos exactamente o que se passou – em casos assim, o mais provável é que nunca venhamos a saber ao certo – nem quem são, desta feita, os assassinos responsáveis por tais actos. Mas conhecemos a brutalidade dos factos incontornáveis: dois engenhos explosivos detonados no espaço de doze segundos entre os espectadores que assistiam à chegada da corrida (estamos a falar de uma das seis grandes maratonas do mundo, capaz de atrair 500 000 espectadores ao longo de todo o percurso); mais duas bombas preparadas para explodir que, por uma razão ou outra, não detonaram; pelo menos três pessoas perderam a vida, uma delas um menino de 8 anos; pelo menos 150 pessoas ficaram feridas, algumas em estado crítico, talvez 14 com pernas amputadas – já que as bombas estavam no chão quando explodiram, e estavam concebidas para enviarem estilhaços em redor.
As imagens de
poeira e sangue no asfalto, a câmara de vídeo em movimento frenético, os gritos
de pânico, e eis que a nossa memória é imediatamente reenviada para a angústia
de 2001 em Nova York, 2004 em Madrid ou 2005 em Londres. A escala de terror
destes atentados é completamente distinta da desta (terrível) segunda-feira,
mas o poder hipnótico do choque e do horror, ou a dor causada pela morte de uma
criança, não é menor apenas porque os engenhos parecem ter sido fabricados em
casa – aliás este indício pode apontar para a culpa de algum fanático
extremista de uma milícia americana (assim foi em Oklahoma, onde Timothy
McVeigh fez explodir um edifício governamental faz esta sexta-feira 18 anos);
outras pistas no mesmo sentido incluem o facto de as bombas em Boston terem
explodido no feriado do “Dia dos Patriotas” e ninguém ter ainda reinvindicado o
atentado, o que também aponta para a “domestic
connection”. Mas também é possível que sejam outros fanáticos, como um
grupo de radicais islâmicos, os que executaram este crime hediondo – o modus operandi é o mesmo que é
utilizado, em base semanal, no Paquistão, Iraque ou Afeganistão perante a
indiferença do resto do mundo.
O fumo provocado
pela primeira explosão envolve as bandeiras de todo o mundo que bordejam a
estrada logo antes da meta da maratona. Em poucos segundos, é como se as
coloridas bandeiras se apagassem, impotentes perante as crescentes trevas –
aquele fumo é sinistro, e provavelmente não é uma coincidência que a bomba
tenha sido colocada precisamente ali. As bombas de Boston tinham-nos a todos
como alvo. Não apenas os nossos corpos mas também os nossos espíritos
sobressaltados, e com eles a sociedade ocidental que construímos – a nossa
forma de vida, as nossas escolhas, a civilização que vamos construindo. A
intenção é quebrar-nos, obrigar-nos a ter medo, forçar-nos a viver
permanentemente limitados. No meio de cada multidão, a percepção do risco; em
vez de usufruir de um grande evento desportivo, o receio que nos leva a ficar em
casa; em vez de uma manifestação, parte essencial de uma sociedade democrática,
o medo que cinicamente nos atira para o sofá e faz renegar a intervenção.
Depois virá um segundo nível de pavor, quando um simples comboio ou autocarro
passam a ser vistos como alvos ambulantes... enquanto isso, as nossas
liberdades fundamentais são cada vez mais cerceadas e a cultura da vigilância
permanente permeia todos os aspectos da nossa vida.
Aquelas bandeiras
representando o mundo todo não caíram. Nem uma. Vacilaram, mas depois seguiram
impávidas, tremulando ao vento.
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