quinta-feira, 20 de junho de 2013

É tempo de mudarmos de supermercado

Foi há exactamente um ano que uma cadeia de supermercados portuguesa, Pingo Doce, investiu 10 milhões de euros num golpe de efeito: pagou extra aos seus funcionários em todo o país para abrir no feriado 1 de Maio e vender os produtos a 50% do preço habitual. Com isso, provocou motins entre pessoas para quem açambarcar couves ou fraldas justifica a perda da dignidade pessoal, mas não só: também chamou inadvertidamente a atenção sobre as margens de lucro obscenas que a distribuição podia arrecadar num dia normal. De facto, se a empresa que gere estes supermercados acabou por pagar uma multa (irrisória, de 12 mil euros) por vender um ou outro produto abaixo de custo (o que é ilegal), o facto é que mesmo com tudo a metade do preço habitual continua a ser possível ficar a ganhar dado que a margem de comercialização anda habitualmente pelos 70%, sobretudo em produtos alimentares. Já os produtores recebem tipicamente 15% do preço que pagamos por um bife que é amiúde borrachoso e cheio de nervo, ou por uma maçã que parece saída de um instituto de beleza, de tão redonda, colorida e perfeita – apenas apresentando o ligeiro problema de não ter quase nenhum sabor.

Inconformados com este estado de coisas, alguns vizinhos de uma zona pouco fabulosa de Nova York decidiram criar o seu próprio supermercado. A ideia de base – tornar disponível comida saudável e barata – é simples, mas é também algo que as grandes superfícies não estão interessadas em fazer. A grande ruptura é conseguida graças ao trabalho voluntário: só pode comprar na “Food Coop” quem for membro da cooperativa, e só pode ser membro quem se dispuser a trabalhar perto de 3 horas por mês no supermercado. Não há excepções.

Esse trabalho voluntário representa a maior parte das necessidades de gerir a empresa (há alguns funcionários a tempo inteiro e pagos) e permite a esta grande superfície comunitária cobrar preços tipicamente muito mais baixos, remunerar os produtores de forma muitíssimo mais justa e, ainda assim apresentar lucro - que é redistribuído pelos membros; estes já são 16 mil, provavelmente o máximo que o sistema tem capacidade para acolher. E não são apenas os preços que atraem mas também a qualidade dos produtos: produtos “locais” (tanto quanto a grande cidade permite), muitos deles biológicos, e com uma indicação de origem que pode ser tão precisa quanto a morada da quinta – e quanto mais pequena e familiar for esta, melhor. Mas sem que a cooperativa tenha um ar de mercado de rua, já que se trata de uma loja completa, uma “one stop shop” para fazer todas as compras no mesmo sítio.

Não é preciso atravessar o Atlântico para ver um bom exemplo da economia social aplicado à “revolução orgânica” que se passa nos nossos frigoríficos e travessas. Em Londres, o “People’s Supermarket” segue os mesmos princípios básicos; em Paris há outra versão a abrir em breve, além de uma organização que usa a internet para pôr em contacto directo, sem intermediários, produtores e consumidores de vegetais bio. O Luxemburgo tem a sua própria versão modesta de uma cooperativa de consumo em Bonnevoie (redistribuição de lucros pelos consumidores incluída) e mesmo em Portugal, um mercado (e um país) tradicionalmente oligopolizado por grandes grupos económicos de distribuição, há algumas tímidas iniciativas neste sentido. Mas não chega. Ainda é preciso grande esforço para comprar bem e evitar todo os produtos caros e plastificados que pomos no carrinho de supermercado. Há muito trabalho voluntário a fazer aqui.

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