quinta-feira, 20 de junho de 2013

Declaro aqui que a crise acabou

... ou pelo menos foi mais ou menos isso que saiu da boca do presidente francês Hollande no sábado, falando perante uma plateia de empresários japoneses. “O que o Japão precisa de saber é que na Europa a crise acabou”. A frase, o soundbite, chegou rapidamente aos incrédulos ouvidos deste lado. A zona euro está enredada numa recessão recorde: há seis trimestres consecutivos, um longo ano e meio, que a economia está a decrescer. Estamos todos em geral mais pobres. E cada vez mais de nós não temos ocupação: a taxa de desemprego da zona euro atingiu outro recorde, 12,2%. Em toda a Europa, 25 milhões de pessoas não encontram uso para a sua energia e as suas competências. Nos países do Sul, a situação é dramática: a taxa é de 17,8% em Portugal (e sai mais um recorde), 27% em Espanha e na Grécia; 1 em cada 4 jovens abaixo dos 25 anos não têm emprego, e em Espanha a maioria dos jovens não o tem. E como cereja no topo do bolo, o sentimento dos agentes económicos em relação ao futuro próximo continua, grosso modo, a decair. Mas esta realidade crua o Japão, habituado talvez a demasiado peixe cru, aparentemente não precisa de digerir.

A lenda grega de Pigmaleão falava num escultor que, tendo criado uma estátua de uma mulher formosíssima, se apaixonou por ela, e tanto desejou que o frio mármore se transformasse em carne e osso que Afrodite acabou por lhe fazer a vontade; Pigmaleão viveu feliz com a sua ninfa e emprestou o seu nome a um fenómeno do campo da psicologia que afirma, em suma, que quanto maiores são as expectativas que colocamos sobre alguém, melhor será o seu desempenho futuro. Ou de forma mais simples, os desejos ardentes tornar-se-ão provavelmente realidade auxiliados pela própria força do desejo. O presidente Hollande está embevecido pela sua estátua – a estagnada economia europeia – e almeja muito que o sangue corra nas suas veias, mas Afrodite é uma deusa cipriota, e os ventos que sopram de Chipre não são benignos...

É óbvio que o título bombástico que o líder francês proporcionou é algo injusto, porque retirado do contexto. Hollande respondia a uma pergunta quando o afirmou, após um discurso em que se preocupou em realçar as boas relações com o Japão e tudo o que a Europa tem feito para estancar a sangria da crise, da qual “sairemos mais fortes, na maior potência económica do mundo”. Mas é duvidoso que a visão rósea seja suficiente para convencer os japoneses, que vivem numa crise circular da dívida parecida com a nossa desde 1990 – as chamadas “décadas perdidas”. É ainda mais duvidoso que a optimista declaração sirva para pôr pão, ou mesmo sushi, em cima de 25 milhões de mesas em todo o continente. O Japão precisa de saber que a crise na Europa acabou... a Europa precisa de senti-lo.

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