... ou pelo menos
foi mais ou menos isso que saiu da boca do presidente francês Hollande no
sábado, falando perante uma plateia de empresários japoneses. “O que o Japão
precisa de saber é que na Europa a crise acabou”. A frase, o soundbite, chegou rapidamente aos
incrédulos ouvidos deste lado. A zona euro está enredada numa recessão recorde:
há seis trimestres consecutivos, um longo ano e meio, que a economia está a
decrescer. Estamos todos em geral mais pobres. E cada vez mais de nós não temos
ocupação: a taxa de desemprego da zona euro atingiu outro recorde, 12,2%. Em
toda a Europa, 25 milhões de pessoas não encontram uso para a sua energia e as
suas competências. Nos países do Sul, a situação é dramática: a taxa é de 17,8%
em Portugal (e sai mais um recorde), 27% em Espanha e na Grécia; 1 em cada 4
jovens abaixo dos 25 anos não têm emprego, e em Espanha a maioria dos jovens
não o tem. E como cereja no topo do bolo, o sentimento dos agentes económicos
em relação ao futuro próximo continua, grosso modo, a decair. Mas esta
realidade crua o Japão, habituado talvez a demasiado peixe cru, aparentemente
não precisa de digerir.
A lenda grega de
Pigmaleão falava num escultor que, tendo criado uma estátua de uma mulher
formosíssima, se apaixonou por ela, e tanto desejou que o frio mármore se
transformasse em carne e osso que Afrodite acabou por lhe fazer a vontade;
Pigmaleão viveu feliz com a sua ninfa e emprestou o seu nome a um fenómeno do
campo da psicologia que afirma, em suma, que quanto maiores são as expectativas
que colocamos sobre alguém, melhor será o seu desempenho futuro. Ou de forma
mais simples, os desejos ardentes tornar-se-ão provavelmente realidade
auxiliados pela própria força do desejo. O presidente Hollande está embevecido
pela sua estátua – a estagnada economia europeia – e almeja muito que o sangue
corra nas suas veias, mas Afrodite é uma deusa cipriota, e os ventos que sopram
de Chipre não são benignos...
É óbvio que o
título bombástico que o líder francês proporcionou é algo injusto, porque
retirado do contexto. Hollande respondia a uma pergunta quando o afirmou, após
um discurso em que se preocupou em realçar as boas relações com o Japão e tudo
o que a Europa tem feito para estancar a sangria da crise, da qual “sairemos
mais fortes, na maior potência económica do mundo”. Mas é duvidoso que a visão
rósea seja suficiente para convencer os japoneses, que vivem numa crise
circular da dívida parecida com a nossa desde 1990 – as chamadas “décadas
perdidas”. É ainda mais duvidoso que a optimista declaração sirva para pôr pão,
ou mesmo sushi, em cima de 25 milhões de mesas em todo o continente. O Japão
precisa de saber que a crise na Europa acabou... a Europa precisa de senti-lo.
Sem comentários:
Enviar um comentário